Caroline.Jacoud 25/01/2024
A solidão do luto
A Mari é mestra em criar histórias a partir de eventos que nunca imaginaríamos, ainda que naturais da vida.
Como uma espécie de "encantadora de palavras", a autora elabora enredos únicos, brincando com uma gramática crua.
Sabe aqueles pensamentos que a gente sente vergonha ao pensar? Pois então, nos deparamos com eles ali escritos, cara a cara, através de personagens complexos, furados e, por isso, tão reais.
Em meio a uma perda repentina, Ana se vê afogada em seus próprios sentimentos, dividindo seus pensamentos e angústias com os móveis de sua casa, se alimentando da saudade e da raiva que nutre pela fragilidade da vida.
Ao alternar entre presente e passado nos capítulos, a autora remonta o movimento similar ao processo de luto, como ondas, que ora recuam nas memórias e ideias do que poderia ter sido e não foi, ora avançam em direção a vida. E é curioso, pois essa alternância não é sinalizada nos títulos dos capítulos, no entanto, a percepção do tempo é sempre clara.
Dos incontáveis trechos que destaquei para revisitar, um me chamou mais atenção: "O luto é um poço cheio de egoísmos".
Aqui, na minha opinião, a autora traduziu com máxima exatidão a experiência da solidão provocada pelo luto. Uma solidão absoluta que nega preenchimento, presença; que precisa ser atravessada com autonomia, muitas vezes, com a colaboração do silêncio do outro, do respeito do outro.
Mas existem diversas formas de vivenciar e atravessar o processo do luto. Em "Não fossem as sílabas do sábado" a autora nos presenteia com uma dessas formas, costurando protagonistas femininas que unem seus medos e faltas pelo comum desejo de sobre (viver).