spoiler visualizarPaula Brindeiro 26/04/2023
Quotes do livro
"Será mesmo necessário um milagre - eu me perguntava - para que uma mulher com coisas a contar dissolva as margens entre as quais parece estar fechada por natureza e se mostre para o mundo com a sua escrita?" (página 24)
"De fato, meu trabalho se funda na paciência. Narro à espera de que, de uma escrita bem plantada na tradição, surja algo que embaralhe as cartas para que a mulher abjeta e vil que sou encontre um modo de se fazer ouvir." (página 33)
"Enquanto isso, só espero que meu cérebro se distraia, se desgarre, e que as outras eus fora das margens - são muitas - se
compactem, segurem minha mão, comecem a me puxar com a escrita para onde tenho medo de ir, para onde me dói ir, um lugar do qual não tenho certeza de saber voltar caso me aventure longe demais. É o momento em que as regras - aprendidas, aplicadas - cedem e a mão tira do pote não aquilo que serve, mas, justamente, o que vem, cada vez mais depressa, desequilibrando." (página 34)
"A bela escrita se torna bela quando perde harmonia e tem a força desesperada do feio. E os personagens? Sinto-os falsos quando têm uma coerência límpida e me apaixono por eles quando dizem uma coisa e fazem o contrário." (página 39)
"Na escrita, tudo tem uma longa história atrás de si. Até a minha insurreição, a minha desmarginação, a minha ânsia, faz parte de um ímpeto que me precede e vai além de mim. Por isso, quando falo do meu eu que escreve, eu deveria logo acrescentar que estou falando do meu eu que leu, mesmo quando se tratou de uma leitura distraída, a mais furtiva das leituras. E devo destacar que cada livro lido levava dentro de si uma multidão de outras escritas que, de maneira consciente ou inadvertida, capturei. Enfim, escrever sobre as próprias alegrias e feridas e noção do mundo significa escrever de todas as formas, sempre, sabendo que você é o produto, bom ou ruim, de encontros-confrontos, buscados e ocasionais, com as coisas dos outros." (página 82)
"Aos dezesseis anos, fiquei impressionada pelo fato de que amar fosse aquele padecimento, uma exposição a um perigo certeiro. [...] Enquanto isso, porém, ficou profundamente marcada em mim a ideia de que, sem amor, a saudação alheia e, portanto, a nossa salvação, tanto no céu como na terra, era impossível, de maneira que era inevitável expor-se, arriscar-se." (página 104)