Wlange
22/10/2023"tudo que já foi ainda há de continuar lá"Gostei bastante, até chorei. Achei bem bonito.
A história é basicamente: Signe, uma idosa, deitada num banco na casa onde viveu com seu marido Asle (uma casa antiga que passou por gerações da família de Asle), começa a lembrar do dia em que o marido foi passear de barco e nunca mais voltou. Ela vê as memórias em forma de "fantasmas" dela e de Asle mais jovens se deslocando pela casa e pelos entornos.
A narração em terceira pessoa, que começa focalizando a Signe idosa, depois passa a focalizar os fantasmas dela mais jovem e de Asle mais jovem, no dia em que ele desapareceu. Então esses próprios fantasmas deles mais jovens também vão vendo outros fantasmas, que são pessoas de diferentes gerações da família de Asle que também habitaram aquela casa: a trisavó de Asle, chamada Ales (sim, nomes parecidos, mas não confundir), aos 20 anos, e seu filho de 2 anos, Kristoffer; depois Ales idosa, Kristoffer adulto, a esposa dele Brita e o filho deles de 7 anos, Asle (mesmo nome do outro Asle, mas não confundir). E por fim o Asle da Signe quando criança e a avó dele, que foi esposa do outro filho do Kristoffer e da Brita.
O narrador vai passando pelos pensamentos tanto de Signe quanto desses fantasmas, e tudo é narrado em fluxo de consciência, ou seja, aquela técnica em que o autor tenta reproduzir os pensamentos de um jeito mais fiel à desorganização natural da nossa mente. Então, por exemplo, em vez de as lembranças serem passadas como cenas com início, meio e fim, o pensamento é transmitido de forma cíclica e repetitiva. Principalmente o pensamento da Signe, porque é assim que ela processa as lembranças do dia em que Asle sumiu: com muito ressentimento e uma sensação de impotência. Ela fica pensando repetidamente que deveria ter ido atrás dele, que ele estava estranho há um tempo etc., mas ela não conseguiu se mover para fazer nada.
Acho que esse ressentimento da Signe em relação às memórias foi a coisa que mais me tocou. Achei angustiante passar com ela por esses sentimentos. Como quando eu mesma vejo necessidade de fazer alguma coisa, mas só consigo ficar parada com meus pensamentos cíclicos e uma ideia de que não dá realmente para mudar nada (quem tem ansiedade vai se identificar).
E a relação que faço entre Signe e os fantasmas também passa por essa impotência. Porque cada geração mostra relações de carinho entre mulheres e homens da família, seja maternal ou romântica. E cada homem passou por um certo momento no mar ali perto da casa (tentando falar sem dar spoiler). A primeira mulher, Ales, se moveu na hora e conseguiu ajudar o filho. A segunda, Brita, se moveu, mas não conseguiu ajudar o filho. E a terceira, Signe, não conseguiu se mover.
Enfim, são algumas coisas que tirei da leitura. No mais, achei bem-feitas as mudanças de perspectiva entre os personagens, e achei que a repetição dos "ela pensa" e "ele pensa", por mais estranha que seja, acabou dando um ritmo interessante ao texto e meio que cumprindo um papel de pontuação.
Eu recebi esse livro da Companhia logo que o Fosse ganhou o Nobel e li hoje, é uma leitura de algumas horas. Na minha opinião, vale muito a pena.