nflucaa 28/02/2024
O crepitar incessante de uma ausência
Dar voz ao indizível. É isso que se diz de Jon Fosse. Aqui em ?É a Ales? Fosse realiza essa tarefa magistralmente. O quanto a ausência fala? O quanto o luto comunica? E por quanto tempo? Aqui há a voz da solidão e o exprimir da saudade.
O livro conta a história de Signe depois que seu marido, Asle, sai para o Fiorde e não volta mais. Mais de vinte anos se passam e a expectativa da volta ainda não morreu, uma espécie de não aceitação mas, conjuntamente, uma acomodação: é assim que é. Reviver no dia a dia as memórias do amado. Sentir dia após dia a presença da ausência.
O livro é escrito de forma não convencional. Várias consciências se entremeiam na narrativa e, apesar de curto, é um livro que requer bastante atenção. São várias perguntas, muitas repetições e um ritmo badalar ? o badalar da ausência, sempre presente. Alguns livros são leituras, outros são experiências. Este é definitivamente do segundo tipo. Não é um livro para todo mundo, consigo entender quem o ache chato ou intragável, mas se conseguir focar mais nas sensações do que em um objetivo final, a leitura recompensa e muito. Vale muito a pena!
É o segundo livro do autor que leio, sendo o primeiro ?Brancura?, o qual gostei bastante também. Com certeza lerei mais livros dele.
## Notes
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- ?Vejo Signe deitada no banco da sala olhando para tudo que é familiar, a velha mesa, a estufa, a caixa de lenha, o velho painel de madeira nas paredes, a grande janela com vista para o fiorde, ela olha para essas coisas sem ver, e tudo está como sempre esteve, nada mudou, mas assim mesmo tudo mudou, ela pensa, porque depois que ele desapareceu e nunca mais voltou nada mais foi o mesmo, ela simplesmente está aqui, porém sem estar aqui, os dias chegam, os dias passam, as noites chegam, as noites passam e ela os acompanha, sempre com movimentos vagarosos, sem permitir que nada deixe grandes marcas ou faça grande diferença, e será que ela sabe que dia é hoje??
- ?Nem sempre as pessoas querem alguma coisa com aquilo que dizem?
- ?existe um grande silêncio nas paredes e esse silêncio diz coisas que jamais podem ser ditas em palavras?
- ?ele ficou com ela, ele não foi embora, ele ficou ao lado dela até o momento em que simplesmente desapareceu, ela pensa, ele ficou com ela, desde a primeira vez em que ela o viu chegar, e então ele olhou para ela, e ela ficou lá parada, e os dois se olharam, sorriram um para o outro, e foi como um encontro entre velhos conhecidos, como se os dois se conhecessem desde sempre, de certa forma, e como se fizesse um tempo infinito desde o último encontro, e por isso a alegria foi tão grande, aquele reencontro deixou os dois tão alegres que a alegria tomou conta, levou-os, a alegria levou-os um na direção do outro, como se fosse uma coisa que tivesse estado ausente e faltado durante a vida inteira, mas agora estava lá, finalmente, agora estava lá, foi esse o sentimento quando os dois se encontraram pela primeira vez, totalmente por acaso, como de fato aconteceu, e não foi nada difícil, não houve nada de assustador, não, foi uma coisa natural, como se não restasse mais o que fazer?
- ?ele não gostava era de palavras grandiosas, que serviam apenas para mentir e ocultar, as palavras grandiosas, elas não permitiam que o que estava lá existisse e vivesse, mas levavam tudo para uma coisa que se pretendia grandiosa, era assim que ele pensava, e era assim que ele era, ele gostava das coisas que não se pretendiam grandiosas, ela pensa, na vida, em tudo?