Gabi Machi 05/06/2020Pequena Abelha é um livro que sobre uma mulher inglesa e uma refugiada nigeriana, escrito por um homem inglês. E isso realmente se nota durante a narrativa. A história poderia ser boa, já que tem elementos bastantes intensos... mas para mim o autor pecou muito na construção dos personagens.
Por uma lado, Sarah é a típica mulher ocidental branca. Muito centrada no trabalho, vivendo uma vida dupla com seu amante, infeliz, mas tentando inutilmente ignorar sua infelicidade. Tenta de todas maneiras salvar Abelhinha, já que sente que sua própria salvação depende disso, mas falha ao não ajudar seu marido. Deixa-o afundar em sua depressão, e o despreza por o considerar covarde. Tenta salvar o mundo, mas ignora aqueles que são próximos e a amam.
Por outro lado, Abelhinha não é uma personagem crível. Aqui se nota que a personagem era bem longe de alguém da convivência do autor. Isso, para mim, gerou alguns problemas na narrativa. Por exemplo, em uma cena na casa de Sarah, Abelhinha fica abismada com a geladeira, que é capaz de formar um cubo de gelo; ela diz que nunca havia visto a água se transformar em sólido, porque não tinha geladeira na sua aldeia. Logo depois, lembrando de sua infância, Abelhinha narra uma cena, onde brincava de televisão com sua irmã: ela se passava por jornalista e dava notícias maravilhosas, como "está nevando sorvete". Sinceramente, "nevar sorvete" me parece mais um sonho de uma criança inglesa. Para uma criança que cresceu sem nenhum recurso e sem conhecer o mundo exterior, já que vivia em uma aldeia isolada das cidades grandes, sem televisão, me parece pouco plausível que seu sonho fosse que nevasse sorvete... o mais normal é que ela nem soubesse o que era neve nem nunca tivesse tomado um sorvete.
A maneira como as duas vidas se conectam é o ápice do livro, onde realmente parece ter algo que vale a pena. Mas tudo acaba aí... pouco mais da história realmente vale a pena. A viagem de Sarah e Andrew à Nigeria também me incomoda um pouco; é o que eu costumo chamar de "turistada": viajar a um local sem respeitar as regras e costumes locais, achando que é superior por ser de um país mais rico. Ir a um local super pobre, cheio de conflito e ficar confinado em um hotel, achando que está fazendo um "turismo selvagem", ou pior, não acatando às ordens de segurança do local, colocando sua vida e dos demais em risco. Vejo uma similaridade com turistas estrangeiros que vêm ao Brasil e visitam favela, tiram foto da desgraça dos outros e acham tudo lindo. Não experimentam a verdadeira realidade do outro, mas acham que estão levando um aprendizado para vida inteira.
Um ponto interessante do livro é a narrativa intercalada de Sarah e Abelhinha, que faz como que sempre tenhamos duas visões da história. Pequena Abelha poderia ter sido um livro que talvez eu tivesse amado. Em outro ponto da minha vida, talvez eu conseguisse conceder uma licença poética ao autor e ignorar toda incongruência observada. Mas atualmente, com tantos problemas sociais que estamos enfrentando como sociedade, parece que existem tantas histórias verdadeiras a serem contadas, que uma ficção tão pouco real como essa não vale tanto a pena.