Flávia Menezes 15/01/2023
NÃO É SOBRE MUDAR DE PERSPECTIVA, MAS DE BUSCAR POR AJUDA!
?The Midnight Library? (em português ?A Biblioteca da Meia-Noite), publicado em agosto de 2020, é um romance do escritor e jornalista inglês Matt Haig, autor de livros de ficção e de não-ficção para crianças e adultos, sendo uma boa parte deles voltados para o gênero da ficção especulativa.
O hype desse livro é altíssimo, mas eu confesso que apesar da curiosidade que isso desperta, esse não foi o motivo pelo qual eu comecei a ler. Na verdade, o que me intrigava mesmo era ler comentários que diziam que esse era um livro que trazia reflexões sobre a vida.
Iniciei sem colocar muita expectativa, porém, logo no início me deparei com algo que eu não esperava: a trama era uma cópia do seriado canadense ?Being Erica?, combinado com aqueles filmes natalinos em que o protagonista acaba sendo levado a viver uma versão de uma vida que ele gostaria de ter escolhido se pudesse voltar atrás, tal como ?Um Homem de Família? (com Nicolas Cage) ou ?Uma Família para o Natal? (com Lacey Chabert).
Apenas para mostrar como o livro realmente é muito similar ao que acontece no seriado, eu vou descrever o enredo dessa série que estreou em 2009, e conta com 4 temporadas: o primeiro episódio traz a história de uma mulher na casa dos 32 anos, Erica Strange, completamente insatisfeita com a vida que está levando. Ela é demitida de um emprego que ela odeia, e ainda leva um fora do namorado, justo quando ela acreditava que eles estavam prestes a dar um passo maior na relação. Totalmente arrasada, ela é surpreendida por uma chuva torrencial na saída do restaurante onde seu namorado termina com ela, a obrigando a buscar por refúgio em uma cafeteria, onde uma atendente oferece para que ela possa experimentar o novo latte. Sem muito pensar ela bebe de uma vez, e só depois acaba percebendo que havia amêndoas na bebida, algo do qual ela é alérgica. Sofrendo de um choque anafilático, ela é levada às pressas ao hospital, e quando sua família chega, eles passam a olhá-la como se ela tivesse tentado se suicidar.
É nesse momento que aparece o Dr. Tom, oferecendo-lhe um cartão que diz: ?Dr. Tom, a única terapia que você precisará?. Sem saber o que fazer, Erica procura pelo psicoterapeuta e descobre uma terapia nada convencional, onde, após descrever seus 10 maiores arrependimentos, ela é transportada para cada um deles, podendo perceber que diferença faria se ela tivesse tomado decisões diferentes. Algo muito parecido com o que acontece nessa história, porém aqui, eu percebo que alguns erros graves foram cometidos, o que tornou o plot brilhante em algo exaustivamente cansativo, e totalmente distorcido.
Quem nunca sentiu vontade de poder voltar atrás e tomar uma decisão diferente, não é? Só que no livro, não tinha muito a ver com as más decisões da protagonista, mas sim em experimentar novas possibilidades de vida, e isso foi totalmente sem sentido. A protagonista vivia versões de vida onde, na sua maioria, ela sempre era a pessoa mais bem sucedida, e como ela era transportada para um momento no futuro, ela não tinha muitas lembranças de como tinha sido a vida até ali (obviamente!!), mas também não apresentava nenhum daqueles talentos que a levaram a viver aquela versão. É como se você fosse transportada para uma vida onde é uma estrela do rock, porém não tem noção alguma de notas musicais. Não entendi o motivo pelo qual ela tinha que ser tão boa em tudo, quando não tinha habilidades e competências para tal na sua vida real. Isso foi forçado demais!!
Outra forçação de barra foi o fato de que toda a vida para qual ela era transportada, sempre tinha que acontecer algo ruim, e era sempre porque ela percebia que alguém não era bom o suficiente (algo externo, porque ela era um alecrim dourado da perfeição!), ou porque nada era como ela imaginava (bem-vinda ao mundo real!).
Desculpa, mas... que coisa mais infantil! A vida não é como a gente imagina que ela seja, ela é como é. Até porque não existe uma vida ideal. Mas existe a vida real, cheia de problemas que precisam ser enfrentados, porque, como adultos, nós temos muitas questões com as quais lidar, incluindo situações inesperadas que podem acontecer pelo caminho. Mas a vida é assim, e faz parte de crescer parar de sonhar com um mundo mágico em que tudo se resolve da noite para o dia, para aprendermos a viver lidando com as adversidades.
Uma outra similaridade com o seriado ?Being Erica?, foi a aparição do personagem Hugo, que assim como a Nora, também passava por esse processo de estar em um lugar entre ?a vida e a morte?, vivenciando outras possibilidades de vida. Porém, diferente do que acontece no seriado, a aparição do personagem é muito superficial, sendo somente mais um que surge para dizer que o alecrim dourado (Nora) é uma mulher excepcional. Se fosse tão excepcional assim, não estaria passando por uma situação como aquela, certo?
Agora, o que mais me incomodou no Hugo, é que, sendo ele um veterano nestas ?viagens?, e tendo vivido mais de 300 versões, fica aqui a pergunta: quem, em sã consciência, precisa experimentar tantas possibilidades assim de vida para saber o que lhe faz feliz? Qual o propósito haveria em se ficar pulando de versão em versão?
Enquanto eu lia, eu fiquei pensando que eu tenho 2 versões de vidas distintas, que eu gostaria de saber como seria. Mas ainda assim, entre essas duas, entre o sucesso e o coração, eu não teria a mínima dúvida em escolher o coração. Porque o sucesso, um dia passa. Mas as relações não. Então, não tenho dúvida de que eu mergulharia nessa vida de olhos fechados, sem paraquedas, ou rede de proteção. E mesmo que as adversidades viessem, sei que não estaria sozinha para enfrentá-las. Quer coisa melhor do que isso?
Quem não consegue escolher, é porque ainda está na esfera da criança, por não ter condições de assumir responsabilidades na vida. Toda escolha traz uma renúncia, e isso é um fato que todos nós precisamos lidar no momento de tomar uma importante decisão. E para mim, faltou refletir sobre isso. Sobre escolhas e renúncias. Sobre tomar um caminho, e entender que é preciso olhar para frente, e não ficar pensando no ?e se...?.
E é por isso que eu digo que, para mim, nessa história faltou maturidade. Faltou comprometimento. Faltou parar de se vitimizar. Faltou assumir as rédeas da própria vida. Faltou se responsabilizar por suas escolhas. Faltou vida. Faltou terapia. Faltou aprendizado. Faltou autodesenvolvimento. Faltou profundidade. Faltou ser de verdade. Mas acima de tudo, faltou preparo do autor para transmitir de forma adequada a mensagem de que a vida não é sobre o destino, mas sobre a jornada.
Quem se prende ao passado, cai em depressão. E quem vive de futuro, sofrerá de ansiedade. Viver é no agora, no presente. E ele pode ser um presente, se aprendermos que não existe outra forma de viver, do que vivendo.
Uma coisa muito importante a se dizer, é que a questão da Nora vai muito além do que isso que o autor coloca de precisar ?mudar de perspectiva?. Não vou nem me aprofundar na história, mas alguém que toma antidepressivos fortes, e é potencialmente suicida, não se cura com uma simples viagem para uma nova possibilidade de vida. Isso é algo bem mais sério do que isso, e é preciso ir muito além para poder ajudar alguém assim.
Dito isso, eu quero fazer mais um alerta aqui: se você está se sentindo insatisfeito com a sua vida, é hora de parar e avaliar o que tem de errado. E não de tentar mudar a perspectiva para buscar ser feliz com o que tem. Muitas vezes, quando a vida incomoda, é porque ela está sim te pedindo para se mexer, e mudar. E não para ficar onde está, e ainda pensar que é você que não está vendo as coisas boas ao seu redor. Nem sempre é sobre isso.
Nem tudo será um compromisso para a vida toda. Você já assistiu o filme ?Como eu era antes de você?? Se sim, certamente irá lembrar que quando um homem tetraplégico que perdeu toda a vontade de viver, se vê diante de uma cuidadora que passa a vida se renunciando em prol de se doar o tempo todo, ele pega para si esse propósito de fazê-la perceber que era preciso mudar. Que por mais nobre que seja cuidar das pessoas, ela precisava viver a vida dela. E é aí que surge uma das frases mais emocionantes dessa história, quando o Will diz para a Lou: ?Você só vive uma vez. É sua obrigação aproveitar a vida da melhor forma possível?.
Não tente mudar a perspectiva da sua vida, caso algo não vá bem. Procure por ajuda, de preferência de um psicoterapeuta, e analise o que está acontecendo, para ver se algo precisa ser mudado, e o que precisa ser feito. Mas não se acomode no incômodo. A vida não é sobre ser feliz o tempo todo, mas sim em viver momentos felizes e se sentir satisfeito(a).
Viver também é sobre fazer escolhas, e isso resultará em ter que fazer algumas renúncias. Mas não sofra por elas, porque faz parte da vida não ter tudo o tempo todo. Uma vez eu vi em um filme a seguinte frase: "Quem tudo quer, tudo põe a perder", e isso é uma grande verdade.
O mais importante é não ter medo de se jogar na vida. E para que isso aconteça da melhor forma possível, não tome decisões precipitadas, ou de cabeça cheia. Mas pare um pouco, pense, reflita, e busque ajuda se preciso. Não é errado buscar por uma outra opinião, desde que seja de alguém sábio ou um profissional competente para fazê-lo. Mas faça suas escolhas com consciência, para depois não precisar se arrepender.
Essas são importantes lições que ficaram faltando aqui:
1 ? Toda escolha pressupõe uma renúncia, e é preciso se responsabilizar por elas;
2 ? Não é vergonhoso e nem uma fraqueza pedir ajuda para alguém mais sábio, ou um profissional especializado para te ajudar a discernir sobre o que está acontecendo na sua vida, e quais as melhores decisões a se tomar;
3 ? Não se acomode na sua vida atual (não mude apenas de perspectiva!), mas avalie o que acontece e o que precisa de mudanças. Quando a vida incomoda é porque ela está pedindo para que você se mexa;
4 ? Não fique pensando no ?e se?, mas faça escolhas e viva a sua vida da melhor maneira possível!
E para deixar aqui um gostinho do seriado que eu tanto falei, que traz essa mesma trama do livro, porém de uma forma tão mais sábia, eu quero deixar a frase de abertura que tanto me fez refletir sobre a minha própria vida, e que despertou a minha curiosidade em prosseguir e ter o ganho de tão importantes lições que encontrei por lá:
?Você sabe aquela amiga que você tem? A garota que parece ter tudo certo? Ela tem o emprego dos sonhos, o namorado ideal, a vida perfeita. Bem? eu não sou essa garota. Meu nome é Erica Strange. Tenho 32 anos, ainda em um trabalho sem futuro, ainda dormindo com meu gato de estimação. Eu sei que as pessoas se perguntam ?por que ela que tem ótima educação e ótimos amigos não consegue se dar bem??. Existe uma resposta simples: más escolhas. Eu poderia ensinar um curso de estragar sua vida. Sério, eu sou muito boa em estragar tudo. A pior parte é que nem sempre foi assim. Eu era a estrela em ascensão. E ultimamente, sinto que apaguei?