Raul Maciel 24/11/2023
Parque Steglitz, Berlim, 1923. Kafka passeava e viu uma menina chorando — e parecia o choro mais inconsolável do mundo. Indeciso sobre ir ou não até ela, ele foi…
Dora Diamant, a última companheira de Kafka e que esteve ao seu lado por apenas alguns meses, contou essa história ao mundo em um livro no qual relatou a sua vida com o escritor. A história foi brevemente contada e não se sabe do conteúdo das cartas e nem mesmo quem foi essa menina. Até este ponto, a história teria mesmo ocorrido. A partir dele, só nos resta o mistério e a imaginação. Quanto ao primeiro, o mistério, alguns estudiosos de Kafka tentaram encontrar essa menina, porém sem sucesso. E quanto à imaginação, Jordi Sierra i Fabra mergulhou fundo nela e o resultado foi este pequeno e fabuloso livro.
Jordi se deu o desafio de preencher (à sua maneira) as lacunas dessa história: sem qualquer carta ou relato mais detalhado além do de Dora Diamant para dar pistas, o escritor partiu quase do zero para escrever essa bela história. Em Kafka e a Boneca Viajante, as cartas, que na vida real talvez somente aquela menina tenha lido, ganham conteúdo; a menina que não se sabe quem foi, passa se chamar Elsi; a história cujo desfecho jamais saberemos, tem o seu final desenhado por Jordi Sierra i Fabra.
E a história do livro é muito simples: Elsi chorava por sua boneca perdida e Kafka se anuncia como um carteiro de bonecas, dizendo que Brígida (uma boneca que se preze deve ter um nome) havia viajado, mas havia escrito uma carta para a menina. Ele havia esquecido a carta em casa, mas levaria ao parque no dia seguinte. Tudo pode dar errado se você mexer com os sentimentos e com a imaginação de uma criança sem ter em mente um grande plano previamente traçado. Mas tudo pode dar certo se você for um grande escritor. Brígida viaja conforme Kafka escreve as cartas que seriam dela e Elsi viaja conforme ouve Kafka ler as aventuras narradas pela boneca (já que o carteiro das bonecas era também quem lia as cartas,). E ao leitor, por não mais que uma ou duas horas, já que o livro tem apenas 128 páginas e algumas ilustrações, basta se deixar levar e viajar com elas.
Trecho: "O olhar foi de incredulidade. A surpresa completa. Mas era uma menina. Os pequenos querem acreditar. Precisam acreditar. Em seu mundo, a desconfiança humana ainda não existe. É um universo de sóis e luas, de dias encadeados, cheios de paz, amores e carinhos."
Esse livro rendeu alguns prêmios ao autor, como o Premio Nacional de Literatura Infantil y Juvenil (Espanha), em 2007, e o de Tradução/Adaptação Jovem, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (Brasil), em 2009, além de prêmios em diversos outros países. A edição brasileira é da Martins Fontes, com tradução de Rubia Prates Goldoni e as ilustrações de Pep Montserrat.
Trecho: "Já estava sentada ao lado dele, esperando. Franz Kafka tirou do bolso do casaco a segunda carta de Brígida. Também desta vez não faltava o menor detalhe. O selo era francês e foi descolado de um envelope postado na França. Com a mesma letra clara e bonita, lia-se o nome do destinatário: "Senhor carteiro de bonecas, esta carta é para Elsi".
Elsi virou-a.
- "Champs Élysées, Paris" — leu.
- Que sorte sua boneca pensar tanto em você e escrever! — observou Franz Kafka.
- Brígida é uma boneca muito boa."
site: https://medium.com/@raulmaciel/kafka-e-a-boneca-viajante-de-jordi-sierra-i-fabra-e48b50e149ca