@literatoando 29/04/2020Os sonhos de um tiozão tarado - IG: @litera.toandoA CASA DOS BUDAS DITOSOS - João Ubaldo Ribeiro
Este livro faz parte de uma coleção composta por autores brasileiros, em que cada um representa um pecado e este tem a função de preencher o espaço da luxúria. De acordo com o autor, a narrativa foi extraída de uma caixa de fitas gravadas por uma mulher e endereçadas ao João Ubaldo. A mulher, que narra tudo em primeira pessoa, logicamente, já aos quase 70 anos de idade resolve contar todas as experiências sexuais que teve em sua vida e foram várias. Logo de início, a nossa narradora sem nome faz diversas digressões, vai e volta em muitos assuntos, assemelhando-se bastante com uma fala monóloga realmente. Ela parece não temer entrar em assunto algum, inclusive de cara faz observações críticas e curiosas a respeito do que ela pensa sobre o catolicismo, afirmando que: ?Os católicos são politeístas.?; e, em outro momento: ?Existe maior sádico, no melhor dos sentidos, do que Deus??. A impressão que eu tive no fim do primeiro capítulo é de que se tratava de uma mulher branca e burguesa falando sobre sua infância e família com algumas opiniões polêmicas, como as que eu disse antes, e imagino que essa seja a opinião inicial da maioria das pessoas, mas que vai se modificando no decorrer da leitura.
Acredito que a obra cumpra bem o papel que imagino ter sido escrita para, que é o de chocar a população brasileira. Assuntos como a hipocrisia social ao falar sobre sexo, condenando algumas condutas e procurando por essas mesmas condutas condenadas em situações privadas é uma das críticas do livro. Outro ponto interessante e importante que a narradora critica veementemente é o culto ao hímen feminino, como se a ?honra feminina? estivesse entre suas pernas, a isto ela chama de himenolatria. Ela critica ainda a monogamia e chega a dizer que ninguém o é, além de afirmar que todo mundo é panssexual. Aborda também temas interessantes como o de relacionamento aberto, fala um pouco das travestis e transsexuais que cruzaram sua existência, embora utilize pronomes masculinos para fazê-lo, coisa que me incomodou bastante, já que foi frequente. A serviço de utilidade pública, nossa narradora encontra espaço também para fazer até um tutorial da maneira mais confortável de fazer sexo anal, utilizando como fonte sua experiência própria e a mentoria de uma de suas melhores amigas, Norma Lúcia, figura recorrente neste livro. Além disso, a narradora fala sobre o machismo tóxico, porém a visão dessa mulher é de que o machismo ?numa primeira visão, oprimia somente as mulheres?, mas que depois passou a oprimir mais aos homens.
Em certo ponto da leitura, eu comecei a desconfiar da verossimilhança dessa narrativa. Quando ela desemboca nos relatos a respeito de situações incestuosas, através da exposição de seus atos sexuais com o tio bem mais velho que ficava excitado quando a colocava no colo e ela interpretava, desde muito nova, como algo positivo, eu já tinha certeza que aquelas narrativas eram inverossímeis. Fora os relatos de aventuras sexuais com seu próprio irmão em que, ao falar sobre ele, tudo que ela conseguia era descrever o tamanho do seu pênis e como ele a penetrava de maneira sem igual. Todos esses tópicos me fizeram refletir sobre a veracidade do autor com relação a como esses relatos chegaram até ele. Não estou demonizando os atos incestuosos descritos pela narradora, sei que existem pessoas e culturas que consideram esse tipo de prática como algo natural, não é meu caso, mas o ponto é que a narrativa começou a me parecer um sonho sexual de um tiozão pedófilo e tarado tentando se passar por uma mulher.
Fingindo superar essa minha percepção, continuei a leitura e outros temas são abordados, como o uso de drogas ilícitas, principalmente a cocaína. Porém, a narradora cai em contradição diversas vezes, aumentando minha desconfiança da verossimilhança da narrativa. Em um momento oportuno para a história, ela reclama das mulheres falocêntricas que exaltam o tamanho do pênis acima de tudo, passa um tempo, ela mesma está fazendo isso, afirmando que: ?(...) um pau bem dimensionado preenche apropriadamente a mulher e é um visual estimulante e excitante.? Além disso, a narradora fala sempre ?as mulheres?, sem se incluir, em terceira pessoa, aumentando minhas desconfianças a respeito da autoria real dessas histórias. Como se não bastasse, ela faz falas que exaltam extremamente a heteronormatividade, quando afirma, por exemplo, que: ?(...) mulher plenamente sadia gosta de pau duro e gosta de penetração.? As partes que ela fala sobre zoofilia e seus interesses a respeito disso foram as mais difíceis de ler para mim.
Em diversos momentos da narrativa, a (quase) autora vai contemplar o discurso dos conservadores que ela pretende chocar com suas histórias, então em algumas partes da leitura eu fiquei sem compreender a quem este livro serve de fato, já que em alguns pontos a narradora vai ser contra as pessoas que criticam as piadas ofensivas, por exemplo; vai utilizar da palavra ?veado? como forma de ofender a um homem; vai criticar até o uso (extremamente necessário, diga-se de passagem) da camisinha como contraceptivo para o sexo heterossexual; e chega a afirmar que as mulheres se beneficiaram do machismo que ?mitificou as transas entre mulheres e lhes conferiu um status estético fajuto?, ao que eu questiono, que benefício foi esse? Já que sabemos que as mulheres que transam com outras mulheres são extremamente fetichizadas e sexualizadas pelo homem, o que não é ponto nada positivo.
Como livro cuja intencionalidade é chocar os leitores, ele cumpre esse papel divinamente, mas não coaduna com o que eu acredito que poderia ter sido se tivesse o mínimo de noção, fora que reitero minha crença de que a obra foi fundada em uma mentira fajuta de que foi uma mulher que orquestrou essa narrativa. No mais, o capítulo cujo título é ?Rio de Janeiro, trompas ligadas? é o mais interessante do livro. Para quem quer se distrair pode ser que seja interessante a leitura e suponho que para o período conservador em que ele foi escrito tenha sido extremamente importante, mas hoje em dia, acho que temos outras demandas que mulheres de verdade são capazes de suprir. 2 estrelas de 5.