Fran 29/09/2021
É preciso admitir que a primeira vista a ideia deste livro pode parecer estranha – afinal, é um pouco difícil saber o que esperar de uma história que envolve cavalos assassinos saídos do mar. Com a devida chance, no entanto, A Corrida de Escorpião consegue facilmente provar que é uma leitura na qual vale a pena apostar.
Os cavalos d’água se tornam um conceito bem mais compreensível após descobrirmos que são inspirados em uma criatura da mitologia celta, e são, como era de se esperar, uma das partes mais interessantes do livro. Apesar de pouco ser revelado sobre eles e a magia que os rodeia, isso não chega a atrapalhar a leitura – muito pelo contrário, o mistério acaba funcionando como mais um encanto a favor deles.
O enredo pode parecer simples, mas a verdade é que existe certa complexidade bem sutil o envolvendo. É importante não tentar vê-lo por apenas um ângulo, pois é exatamente disso que se trata: pequenas tramas se entrelaçando de modo firme e intrincado, formando algo maior.
Primeiramente, temos a história de Thisby, um lugar que não teria nada de especial se não fossem os cavalos d’água que todos os anos saem do mar ao redor para invadi-la. Contudo, os capaill uisce e a corrida são muito mais do que aparentam — não só o turismo que sustenta a ilha, mas também sua tradição, modo de vida e religião. Os cavalos d’água são uma parte daquele povo, e isso é algo que é mostrado e explicado aos poucos. Thisby é um lugar incrível, o que torna a ambientação do livro muito boa.
Por outro lado, temos também as histórias das pessoas que vivem na ilha, distintas e particulares a cada uma delas. Muitos temas diferentes são abordados, e seria difícil citá-los aqui em sua totalidade, mas todos são descritos e trabalhados de modo atencioso. Vemos, inclusive, alguns assuntos sérios, como abandono e a dificuldade de lidar com perdas.
O livro conta com dois protagonistas, Sean e Puck, jovens que vivem em realidades diferentes de Thisby e estão prestes a participar da próxima corrida. Os capítulos são escritos alternando o ponto de vista dos dois, e eles são os responsáveis por fazer o resto do enredo se conectar.
Sean é um garoto que possui uma ligação especial inexplicável com os cavalos e que está sempre solitário, embora pareça não se importar com isso. Desde o começo é bem enigmático, difícil de interpretar e que nos deixa sem saber exatamente o que esperar. Entretanto, é um personagem que cresce muito em carisma com o decorrer da história, pois da mesma forma que ele acaba descobrindo mais sobre si mesmo, nós também passamos a entendê-lo melhor.
Puck é uma protagonista fantástica, e por um motivo bem simples: o desenvolvimento dela durante o livro é maravilhoso. Apesar de no começo se apresentar como uma garota teimosa e um tanto impulsiva, aos poucos ela vai amadurecendo em uma personagem forte, destemida e determinada, se esforçando para lutar pelo que deseja, mesmo que isso signifique desafiar as tradições e precisar lutar contra o preconceito, mas também aprendendo que não se pode ter tudo.
Os personagens secundários são também interessantes, mesmo com a maioria deles mal chegando a ter alguma relevância. Os relacionamentos são trabalhados de modo aceitável, alguns melhores do que outros, e o destaque fica mesmo com como esses relacionamentos se conectam na questão da vida naquela realidade. Cada pequeno diálogo ou passo adiante no desenvolvimento deles nos mostra um novo pedaço da história do povo de Thisby e como a sociedade deles funciona, de modo que vamos vendo as várias facetas que a ilha possui conforme os conhecemos.
O único ponto negativo digno de nota acabou sendo a parte final do livro, próxima de quando a corrida enfim acontece. Embora o desfecho tenha sido suficientemente satisfatório, chega um ponto em que tudo começa a acontecer muito rápido. Não é algo completamente ruim, nem chega a estragar a leitura, porém deixa a sensação de que poderia ter sido nos oferecido mais detalhes.
A Corrida de Escorpião acabou se mostrando um livro menos sobre uma corrida e mais sobre amadurecimento, companheirismo e a importância de não desistir de lutar pelo que deseja, mesmo quando se está contra todas as chances. Foi uma boa surpresa e uma leitura muito agradável, com certeza recomendada a quem acabar se interessando.
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