João Moreno 25/12/2016Mímese da Sociedade Americana“Deixa eu te dizer uma coisa: ser idiota não é nenhuma caixa de chocolates” (pág.9)
Forrest Gump é um romance norte-americano de 1986, escrito por Winston Groon.
Adaptado para cinema em 1996, foi dirigido por Robert Zemechis (conhecido por suas inovações em Computação Gráfica, CGI), com roteiro de Erick Roth.
Das treze indicações do Academy Awards, foi vencedor em seis, incluindo melhor filme, ator (Tom Hanks), diretor e roteiro adaptado.
Com o sucesso estrondoso do filme (faturou quatrocentos e oitenta milhões de dólares), o livro ganhou fama: um milhão e meio de exemplares foram vendidos, em contraste com as modestas trinta mil unidades vendidas até então.
Sobre as comparações inevitáveis entre livro e filme, Isabelle Roblin, professora assistente na Université du Lottoral-Côte d'Opale, França, aborda (de forma brilhante), em “Da página à tela: a reformulação de Forrest Gump”, os contrastes entre um e outro, num ensaio que compreende o posfácio da reedição brasileira, da editora Aleph.
Forrest Gump (um sobrenome americano, que em forma de 'piada', revela características de sua personalidade), representado como Idiota:
“Sou idiota de nascença. Meu QI é de quase 70, então eu encaixo na definição, pelo que falam (…) e pessoalmente, prefiro achar que sou um pateta, ou alguma coisa do tipo, e não idiota (…)”. (pág.9).
narra, de maneira simplista, toda uma história conectada pelo absurdo, pela irrealidade de uma trama ligada, estória à estória, uma à outra, sem perceber-se seus fios de interconexões.
Parênteses: nesse aspecto, vêm-me à mente uma família, numa cidadezinha na Colômbia. Macondo. Da irrealidade à desgraça de uma geração de Buendía.
(O filme) Considerado pela Biblioteca do Congresso Americano como “tesouro cultural, artístico e histórico”, Forrest Gump poder-se-ia ser considerado uma enciclopédia da história contemporânea americana. Para efeitos da narrativa, ele não é considerado apenas agente passivo, e sim, um agente ativo transformador desta história.
Apresentando-se como um relato oral, que incorpora aspectos da (in)capacidade intelectual de Forrest à seu regionalismo.
[Destaque para a tradução brasileira, de Aline Storto, com um retrato (e tradução) verossímil destes aspectos].
Para o leitor desatento, alguns aspectos (críticas) passarão despercebidos.
Das consequências da Guerra da Secessão à segregação racial no Sul dos Estados Unidos:
“Sempre era um acontecimento e tanto quando a gente jogava com um time lá do norte, porque eles com certeza iam ter jogadores de cor do lado deles. Isso era motivo de pertubação para auguns dos caras (…) apesar que eu nunca me preocupava com isso, porque a maioria das pessoas de cor que eu já conheci me trataram melhor que as brancas”. (pág.59).
Da participação de Forrest na Guerra do Vietnã, onde foi ganhador da Medalha de Honra do Congresso:
“A gente tava indo pro Vietnã, mas eles falaram que lá não era tão ruim (…) Na periferia tinha um monte de barracos tristes, que eram piores do que qualquer coisa que já tinha visto no Alabama, com pessoas amontoadas debaixo de umas coberturas de pano, e elas não tinham dentes e os filhos delas não tinham ropa e, basicamente, era tudo mendigo”. (pág.75).
Às suas consequências:
“'Foi nisso que deu a Guerra do Vietnã'. Era uma coisa que não dava pra negar. É um espetáculo triste e lamentável quando um homem sem pernas tem que fazer xixi no sapato e depois jogar xixi na privada.” (pág.252).
“E ele perguntou: “Bem, a gente tava tentano fazer a coisa certa, eu acho. A gente só tava fazeno o que mandavam a gente fazer”.
E ele perguntou: “Bem, você acha que valeu a pena? O que a gente fez? Todos aqueles rapazes sendo mortos daquele jeito?”
E eu respondi: “Olha, eu sou só um idiota, entende? Mas, se quiser a minha opinião de verdade, acho que aquilo foi um monte de merda”. (pág.329).
Indo além: a participação na Ofensiva do Tet (marco decisivo da Guerra do Vietnã), restabelecimento diplomático com a China, movimento Hippie e contra-cultura, escândalo Watergate (Deepthroat e renuncia do presidente Nixon), além de uma sátira à corrida e programa espacial norte-americano. Situações que elegem Forrest à protagonista da historicidade contemporânea recente e mundial.
Outro aspecto no livro que chama à atenção, é a maneira de Forrest enxergar aquilo que lhe acontece:
“Durante a minha vida inteira, eu nunca tinha entendido nada do que tava aconteceno. Uma coisa simplesmente acontecia. Depois otra, e depois mais otra, e assim por diante, e na metade do tempo nada fazia sentido”. (pág.101).
A falta de preparo das pessoas e o tratamento dirigido por elas a ele torna-se indignante:
“'Idiot Savant' (…) 'Uma pessoa que não consegue dar um nó na gravata, que mal consegue amarrar o cardaço, que tem a capacidade mental de uma criança de 6 a 10 anos, e, nesse caso, um corpo de um Adonis. (…) A mete do Idiot Savant tem raros bolsões de genialidade, de modo que o Forrest aqui consegue resolver equações matemática avançadas (…) e consegue aprender temas musicais complexos com a facilidade de Liszt ou Beethoven. Idiot Savant'”. (pág.56-57).
(Da Síndrome do Sábio, ou Savantismo, que (normalmente) incluem inépcia em linguagem e na especialização da fala, é um distúrbio psíquico na qual uma pessoa possui grande habilidade intelectual e um déficit de inteligência).
Do tipo de leitura que empolga e faz rir. A ingenuidade e credulidade de Forrest faz-me sorrir com olhos marejados. Percebo então: estou diante do personagem mais carismático de toda a Literatura.
No fim, não apenas neste ou naquele momento, desabei:
“Bem, e daí? Eu posso ser idiota, mas, de qualquer forma, na maior parte do tempo, eu tentei fazer a coisa certa... E os sonhos são apenas sonhos, não são? Então, o que quer que tenha acontecido, eu cheguei a essa conclusão: eu sempre vou poder olhar pra trás e falar que pelo menos eu não levei uma vida monótona.
Entende o que quero dizer?”
E isso é tudo o que tenho para falar sobre esse assunto.
site:
https://literatureseweb.wordpress.com/2016/12/24/atualizacao-iii-evite-o-emburrecimento-durante-as-ferias-academicas-forrest-gump-mimese-da-sociedade-americana/