spoiler visualizarJoaoVictorOF 08/03/2023
Em Soledad, a única coisa comum a todos é o sofrimento
"Ratos e Homens" é um livro curto e de enredo simples. Dois trabalhadores, Lennie e George, se encaminham para uma fazenda na Califórnia, Soledad, durante a Grande Depressão americana em busca de novas oportunidades. Lennie é um gigante gentil, com algum tipo de neurodivergência, enquanto George é um rapaz pequeno e esperto que age como a voz da razão. O livro retrata a busca dessa dupla improvável atrás de seu sonho: uma propriedade onde possam viver juntos da terra, com um plantação de alfafas e alguns coelhos que Lennie possa cuidar e afagar.
O maior e mais arrasador trunfo do livro, para mim, é mostrar esse cenário idílico, o sonho americano, se desmoronar frente à dura realidade enfrentada pelos peões. Sem que seja preciso apontar de forma específica, o autor passa a mensagem central de form clara: não há esperança de união ou sonhos conjuntos em uma sociedade marcada pela desigualdade, exploração e violência.
Todos nesse livro (à exceção do dono da fazenda, talvez) são vítimas de algum tipo de opressão que destroça a chance de se formar laços duradouros ou um senso de comunidade. A dupla principal é formada por trabalhadores rurais sem instrução formal e pobres, sendo Lennie ainda neurodivergente numa época em que tal condição não era compreendida ou respeitada. Candy é um trabalhador idoso e, portanto, jogado para escanteio. Crooks é um carroceiro negro em um período em que afro americanos tinham menos valor do que gado. Mesmo os "vilões" dessa história são resultados desse meio. Curley é um homem intragável, cuja tendência beligerante é fruto de um complexo de napoleão e do machismo dessa sociedade. Sua esposa (cujo nome nem sabemos, curiosamente), por sua vez, chamada de "pvt4", "v4g4bvnd4" e coisas do tipo em vários momentos, é parcialmente inocentada pela narrativa, que apresenta seu comportamento libertino como reflexo da falta de liberdade dada às mulheres da época para seguirem seus sonhos ou escolherem um par por conta própria. O livro explicita como há uma hierarquia de sofrimento na sociedade, e que os oprimidos descontam suas frustações em que está mais abaixo.
Além disso, o livro é uma verdadeira aula de simetria narrativa e foreshadowing (prefiguração). Ele começa e termina em situações quase paralelas, e não há um único acontecimento que não seja antecipado por outras cenas que vieram antes. Isso faz com o que o leitor sinta intuitivamente o que vai acontecer a seguir, e potencializa a tragédia dos acontecimentos enquanto eles se desenrolam.
Ótimo livro. É breve, mas impactante. A linguagem é simples e dá destaque para diálogos ao invés de blocos narrativos ou descritivos, facilitando a leitura. Vale a pena conferir.