Abner XZ 28/06/2019
"Moedinhas", ou "Como Brandon Sanderson Me Deu Uma Nota de Cem Reais Falsa"
Sempre penso bastante antes de dar minha opinião sobre qualquer assunto, se ela for claramente contra o consenso da maioria. Afinal, quando se trata de tópicos que dependem muito de gostos e afinidades pessoais, como livros, filmes, séries, etc, pode se tornar bem desgastante discutir ou simplesmente expor o que se pensa com quem não concorda com você.
Quer dizer, se desgastar pra que, certo? O mundo já ta aí pra estressar a gente de graça, porque eu vou perder meu tempo falando de algo que eu não gostei?
Bom, acontece que eu me dei conta que escrever essa resenha seja a única coisa minimamente interessante que a longa leitura de Império Final me renda. Isso e a vontade de encontrar outros leitores que se identifiquem com o meu sentimento, é claro. Sempre precisa ter um chato no rolê, e eu cheguei aqui pra cumprir exatamente esse papel.
Posto esse pequeno prólogo autocrítico e partindo para impressões do livro em si:
Depois de algumas leituras curtas e extremamente agradáveis que tive esse ano (Ursula K. Le Guin, eu te amo), fiquei com vontade de me encontrar numa fantasia mais longa, mais densa.
Achei a saga Mistborn em várias listas, nacionais e gringas, sob títulos como "Séries de Fantasia Inteligente", "Magia Engenhosa", "Melhores Séries de Fantasia da Atualidade", sempre com recomendações excelentíssimas, menções honrosas e tal.
O que mais me chamava atenção era ver Mistborn ser colocado junto de obras monumentais como "As Fronteiras do Universo", "O Nome do Vento" e até mesmo ao lado de "Crônicas de Gelo e Fogo" - obras que, independente do gosto do leitor, possuem uma marca de autenticidade e importância consagrada no mundo da literatura fictícia popular.
Bom, aparentemente, o ditado "diga-me com quem tu andas que lhe direi quem és" pode não valer no mundo dos livros. Pois não consegui, em nenhum momento das mais de 600 paginas que eu li, colocar Mistborn em qualquer lugar próximo da autenticidade e da relevância desses livros que supostamente seriam seus iguais.
Até aí, tudo bem, de novo a velha história da expectativa vs. realidade, que sempre vai afetar o opinião final sobre qualquer produto que consumirmos na vida. Porém, acredito que os problemas desse livro vão muito além da minha expectativa frustrada de ler algo inteligente.
Logo no início da leitura, nos primeiros 3 capítulos, já me incomodava a forma como o escritor parecia repetir informações e constatações que ele havia acabado de fornecer em sentenças anteriores. Quis culpar a tradução do e-book que eu tinha e parti pra leitura dos mesmos 3 capítulos em inglês - só para concluir que não era nenhum problema de interpretação entre idiomas: o autor realmente se repetia, deliberadamente, em discursos, especialmente no início de enredo. Ok, era só o começo da história, assumi que isso seria proposital e/ou algo natural da forma de escrita dele, e continuei lendo em português, mesmo.
No fim, a repetição de informações e de palavras ocorre durante todo o livro. Só com base nos comentários daqui, dá pra perceber que até quem gostou da leitura notou o quanto o autor pouco se preocupa em diversificar o vocabulário e a forma com que nos entrega mais detalhes sobre as situações e cenários da história (vai levar um tempo até que as expressões "franziu o cenho", "dar de ombros", "empurrar e puxar" deixem de me causar certo ódio).
É como se o Sanderson tivesse acordado, um dia, e pensado "Nossa, vou fazer um livro em que as pessoas voam jogando moedas no chão, hihi, vai ser loco" e o interesse criativo dele parou por aí. A construção da trama, dos personagens, ficou totalmente em segundo plano, apenas um fundo bidimensional pra essa "grande ideia" que é o conceito da magia a partir do uso de metais.
Afirmo isso com muita tranquilidade, pois é impossível que alguém que tenha lido o livro não concorde que o tópico que o Sanderson mais se esforçou pra trabalhar, durante 38 longos capítulos, foi na apresentação e na explicação da """"lógica"""" (ênfase nas aspas) do uso da alomancia. E mesmo essas explicações, ao meu ver, ele faz de maneira muito pouco interessante.
Francamente, migos, a história de um mundo onde o mal domina e cujos personagens principais são pessoas comuns que de repente se descobrem com poderes depois de um trauma ou de um passado trágico é simplesmente O MAIOR CLICHÊ DE QUALQUER LIVRO DE FANTASIA NO PLANETA TERRA.
O arquétipo do herói trágico e esperançoso no cenário onde o antagonista reina não seria um problema, pra mim, desde que houvessem outros aspectos positivos que trouxessem vida e movimento pra esse estereótipo. E é daí que se poe à prova a capacidade de criação de um escritor, daí que se pode concluir o sucesso ou fracasso de uma obra de ficção: do êxito em compilar fragmentos, ou segmentos inteiros de conceitos "clichês" e mesmo assim entregar um resultado que dê pra se considerar novo, instigante. Sanderson falhou miseravelmente nesse quesito.
O desenvolvimento do enredo segue sem nenhuma atmosfera definida, os diálogos tem o peso inteiro de uma sacola de plástico vazia e a caracterização dos personagens é tão pobre e prosaica que eu sinceramente, as vezes, tive dificuldade de distinguir exatamente quem era quem, tamanha a falta de personalidade de todos eles. Tudo isso e um vilão cabeludo de mil anos chamado de "Senhor Soberano". Senhor Soberano. Sério?
Minha experiencia de ler Império Final foi igualzinha a de ver um filme bem "trash".
Vindo de mim, a afirmação acima poderia até ser positiva. No geral, me divirto bastante com filmes trash, mas não aqui. A aplicação do adjetivo "trash" pra se referir a Mistborn é literal.
São 600 páginas de reuniões e bailes, com algumas cenas gore aqui e ali. Nenhuma técnica de construção de enredo, nenhuma prosa relevante, nenhuma reviravolta coerente. Nenhum desafio, nenhum personagem pra amar ou odiar. Nenhum conteúdo, em todos os sentidos. É patético. Foi a primeira vez que eu me senti tão vazio, depois de ler um livro de ficção.
Juro que tentei ser mais ameno, ponderar, jogando mais a culpa para o FATO de Mistborn NÃO SER uma série adulta - ao contrário de todas as listas em que eu o vi mencionado. Mas mesmo inserindo Império Final na prateleira dos Young Adult Fiction, este ainda fica assustadoramente abaixo da qualidade de TODOS os livros que já li desse gênero (e de YA eu creio que até tenho moral pra falar).
Enfim, a regra que eu levo pra minha vida de leitor é: Achei o primeiro livro da saga que me interessei ruim? Acabou. Boa noite. Perdeu a chance. É muito livro pra ler e uma vida só, pra viver. Não dá tempo de perdoar um mal início, muito menos 600 páginas de fanfic.
Pra não dizer que todo o tempo que gastei lendo esse livro tenha sido perdido, pelo menos revisitei uma lição óbvia, mas facilmente esquecível; quantidade não significa nada, sem qualidade.
Passei por livros de cem páginas que mudaram a minha vida. Passei por Mistborn e só o que ficou foi essa resenha dramática e indesejada, mas infelizmente necessária; as vezes a única forma de se livrar de um rancor é externalizando, colocando no papel.
Com isso, eu vou conseguir seguir em frente, para outros universos, uma próxima leitura. Uma que, por sorte, tenha mais valor que alguns trocados no fundo do meu bolso (entenderam? Trocados, moedas, alomanticos, ok *ba-dum-tsssss).