spoiler visualizarLeonardo1263 29/06/2021
A verdade pode não ser o bastante
Arthur C. Clarke é considerado um grande peso pesado da ficção científica. Autor de obras como Encontro com Rama, As Fontes do Paraíso, além de seu grande sucesso adaptado para os cinemas, o renomado 2001: Uma odisseia no espaço. Antes de partir, ainda presenteou seus leitores com a grande obra: O Fim da Infância.
Pense, caro leitor, que o grande plot da maioria das ficções científicas é, finalmente, o derradeiro contato com seres extraterrenos. Encontro esse que seria pautado na desconfiança, no medo, na ânsia de conhecimento. Ainda no exercício de imaginar, continuemos a reflexão: nós, seres humanos, ignorantes (em partes) de nossa própria terra, como nos comportaríamos como anfitriões de uma nova raça? Uma raça superior, um viajante invejado por desbravar o espaço. Como receberíamos o desconhecido? Confiaríamos ou não? Essa é a principal questão, entre outras tantas abordadas no livro de Arthur Clarke.
Um dia comum, uma “horda” de extraterrestres pairam sobre as principais cidades do mundo, oferecendo uma mão amiga. Oferecendo o nirvana em vida, o paraíso perdido há tempos. A erradicação da fome, o fim das guerras, a cura de doenças fatais e implacáveis. Tudo em troca de quê? Nada! Apenas política da boa vizinhança.
Como tudo tem suas condições, uma das muitas é que os seres humanos não podem desbravar o espaço e sair da terra, apenas confiem e permaneçam como estão (o livro se passa no momento da corrida espacial, entre as décadas de 60 e 70).
Como todo novo regime, há uma certa resistência. Mas o que poderia os humanos fazer frente a todo esse potencial?
O livro é desenvolvido em três grandes momentos, distribuído ao longo de 200 anos após a visita de nossos vizinhos. Os “Seres Supremos” (como são chamados) são benevolentes, pacientes e, apesar da aparente superioridade, não se relacionam com a humanidade de forma taxativa ou autoritária. E a forma como a humanidade pensou ser os alienígenas, não permitem que aceitem muito bem esse comportamento.
Deixando de lado um pouco toda a técnica e teatralidade da obra, algumas questões chamam a atenção, então, caso queira preservar um pouco a surpresa para sua futura leitura, daqui para baixo, pode conter alguns spoilers.
A princípio, por mais que apresente o grupo de resistência que luta pela liberdade e soberania de poder escolher a própria derrota e enfrentamento dos seus próprios problemas, tudo parece que não cabe o mínimo de discussão. É um pacote de vantagens imperdível demais para se recusar (até porque, momento algum, a recusa dessa ajuda parece estar disponível). Uma humanidade vulnerável e subserviente aos Senhores Supremos. Quem em sã consciência abriria mão desse recurso, mesmo não sabendo a verdadeira intensão alienígena?
Noutro momento, ao avançar do tempo, a própria humanidade envelhece e há a troca de gerações. Sendo assim, aqueles antigos problemas, de décadas atrás, não tem peso. A nova geração não sabe o que é fome, doenças, violência em demasia. Não conseguem comparar se houve melhora ou não. Acostumaram com a presença de discos voadores pairando sobre suas cabeças, com a relação aparentemente pacífica entre as raças… Mas a curiosidade (inerente ao ser humano) não os deixam em paz. Por que a humanidade não pode viajar ao espaço, limitado somente à lua? Por que não podem conhecer o desconhecido? Por que não podem (ou não conseguem) descobrir qual o verdadeiro propósito disso tudo?
Portanto, me diga, caro leitor: você aceitaria ajuda de seu vizinho para resolver todos os problemas de sua casa, em troca de que não saísse mais de seu quintal?
E, por fim, temos a tão sonhada revelação da verdade. Sob forte pressão, consegue finalmente a humanidade descobrir os mais loucos processos que correm no universo. Descobre-se o lugar da terra no tabuleiro espacial, a hierarquia das coisas, qual seria o propósito da visita alienígena em nossa terra. Os seres humanos no auge de seus recursos, se veem frente ao tão esperado momento de conhecimento pleno da verdade e, mesmo assim, parece não compreender a magnitude das coisas.
O título O Fim da Infância faz todo sentido. O fim do desenvolvimento, o ápice do conhecimento, o limite do limite do raciocínio humano frente à maior pergunta de todos os tempos: de onde viemos e para onde vamos?
Mesmo séculos à frente, haverá a certeza implacável e imutável. Nós, seres humanos, não temos a capacidade intelectual para entender a verdade. E mesmo quando chegar o dia em que for revelada, ainda assim, haverá duvida. Somos limitados pelas referências, instigados constantemente a permanecer presos aos símbolos e crenças. A verdade não é o que de fato é, a verdade é conveniência! Aproveite todas as mensagens metafóricas do autor e se coloque a pensar nesse futuro que, um dia, pode ser o nosso.
O trecho final com a resposta de todas essas perguntas é de arrepiar… Poucos escritores conseguiram pontuar tão bem como seria esse momento único. Leia!
site: https://sessaodasdez.com.br/estante/o-fim-da-infancia-a-verdade-pode-nao-ser-o-bastante/