Estação Carandiru

Estação Carandiru Drauzio Varella




Resenhas - Estação Carandiru


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Augusto 01/09/2013

Fiz o caminho inverso e li antes o "Carcereiros" (último livro do autor) e depois o "Estação Carandiru".
O dr. Drauzio Varella já havia chamado minha atenção com o primeiro que me chegou às mãos e o segundo apenas consolidou o que eu já pensava a seu respeito.

Me agrada muito a maneira franca como o autor descreve a própria experiência na Casa de Detenção. Especialmente porque ele não tenta se pintar como um super herói, ou como alguém inatingível, um "bastião da ciência". Neste livro (como também em "Carcereiros"), Drauzio é apenas... humano.
Fala com franqueza do medo que sentiu a princípio no ambiente prisional, da desconfiança inicial com que foi tratado pelos prisioneiros e funcionários, do enorme receio que teve diante da possibilidade real de contrair doenças graves (como a tuberculose) que afetavam inúmeros presos, das vezes em que caiu na lábia dos criminosos que se aproveitavam da sua inexperiência, das vezes em que pensou em desistir e até dos momentos em que sentiu-se limitado no seu conhecimento da Medicina.

Em relação aos apenados, o dr. não adota o discurso (algumas vezes) romantizado dos defensores dos direitos humanos nem tampouco reproduz a fala manjada e preconceituosa do senso comum. O que quero dizer é que Drauzio, procura, a meu ver, ser imparcial. Nem "demoniza", nem "beatifica" os "moradores" do Carandiru. Não generaliza, agregando-os todos à "casta dos monstros desalmados merecedores do lugar que conseguiram" no inferno chamado Sistema Penitenciário brasileiro, nem os faz parecer vítimas inocente do Sistema.
Não me entenda mal, o próprio Drauzio admite a existência de criminosos capazes de crimes tão bárbaros que ele próprio teve, em alguns momentos, dificuldade de tratá-los como exige a ética da profissão.

O autor inicia traçando um panorama geral da cadeia, tanto no aspecto físico (seus pavilhões, cada um com suas peculiaridades, suas celas, as "isoladas", as áreas de lazer, etc) quanto no aspecto organizacional, por assim dizer. Descreve muito bem os "códigos de conduta" que regem o comportamento da "malandragem" (como eles mesmos se autodenominam) dentro da Detenção.
Entender e atender ao que é considerado aceitável (e o que não é) pelos prisioneiros é essencial à sobrevivência dos novatos. A punição aos incautos é exemplar.
Interessantíssimo descobrir que os criminosos também possuem uma espécie de "moralidade" (distorcida em muitos casos, é claro, mas ainda assim moralidade) e que zelam por ela com unhas e dentes. Confesso que me surpreendi, por exemplo, ao saber que "desrespeito à mulher do próximo" é considerado delito gravíssimo. E não interessa se a mulher em questão é "prostituta de profissão" ("isso é lá fora..." - segundo eles), dentro da cadeia, em dia de visita, tem de ser respeitada. Ai de quem ousar sequer olhar pra senhora do outro.

Com maestria Drauzio Varella apresenta o leitor ao universo absurdo de um presídio e depois dessa apresentação inicial passa a uma coletânea de relatos das histórias de vidas de vários apenados. As tais histórias contadas são incríveis (algumas vezes no sentido literal do termo) e progridem até o final do livro, quando é narrada, de forma impressionante, com cores muito vivas e segundo o ponto de vista dos criminosos (sem farda) o já conhecido Massacre do Carandiru. O relato dos três últimos capítulos cumpre muito bem o papel de dar voz àquelas pessoas que, de outra forma, teriam sido emudecidas.

4 estrelas.
Cris 17/12/2013minha estante
Parabéns pela resenha, concordei com vc em tudo.


Augusto 21/12/2013minha estante
Muito obrigado, Cris!


Rosalba Moreira 28/09/2014minha estante
Adorei sua resenha, sintetizou muito bem essa grande obra. Terminei de ler esse livro ontem, e já entrou pra minha lista de favoritos.


Augusto 15/10/2014minha estante
Obrigado, Rosalba. Gosto bastante dos livros do Dráuzio. Parece que há ainda mais um pra chegar abordando o mesmo tema.


Marília 13/08/2015minha estante
Excelente resenha! Também li Carcereiros e sou apaixonada pelo tema abordado. Meus Parabéns!!!


Augusto 19/08/2015minha estante
Muito obrigado, Marília. O tema era novidade pra mim. Fui apresentado a ele pelo Dráuzio e aí não tem como não ficar interessado.


skuser02844 22/02/2021minha estante
Excelente!


Lrss. 04/04/2021minha estante
ia escrever uma resenha, li a sua e desisti kkk cirúrgica


Augusto 04/04/2021minha estante
Não! Escreva, Larissa!
Mas obrigado. Rs


Fernanda309 16/09/2021minha estante
Que resenha ótima. Adorei


Belizário 04/01/2023minha estante
Essa resenha é digna de prefácio de nova edição, viu.




Polly 17/02/2019

Estação Carandiru: um relato sobre a realidade mais dura da desigualdade social (#071)
A leitura de Estação Carandiru veio da minha necessidade (recente e urgente) de mudar as estruturas internas aqui dentro da cachola e da alma, sabe? Acho que as fatídicas eleições de 2018, apesar dos pesares, foram uma grande oportunidade de rever conceitos, que para mim eram absolutos e que, depois daquele turbilhão de emoções, talvez não sejam mais. Para ser sincera, é provável que eu jamais volte a pensar de forma absoluta sobre qualquer outra coisa. Dessa forma, posso até falar que, de alguma maneira, as eleições de 2018 até que me trouxeram algum saldo bom.

Estação Carandiru foi uma indicação da maravilhosa @carolburgo (sigam ela, sério!). Tenho que dizer que essa minha conterrânea porreta também foi uma das responsáveis por essa minha necessidade de mudança interna e de quebrar meus próprios preconceitos. Depois de uma sequência de stories que ela fez no ano passado (que estão salvos em seus destaques com o nome “Mudar é Bom”), eu finalmente me dei conta do quão privilegiada eu sempre fui (e sou), e por méritos que não são exatamente meus, como a cor da minha pele ou a sorte de ter nascido numa família estruturada, por exemplo (mesmo vindo de uma realidade de poucos recursos). Assim, resolvi usar a literatura para entender o ambiente no qual estou inserida e, sobretudo, entender realidades que não são a minha. Comecei esse processo pelas indicações da Carol, precisamente pelo livro que vos falo.

Em Estação Carandiru, Dráuzio Varella narra histórias de personagens reais com os quais conviveu durante o tempo em que trabalhou na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, onde aconteceu o massacre de 1992 (que, inclusive, é o clímax da obra). Dráuzio nos conta o dia a dia e o funcionamento da cadeia: os diversos grupos que lá existiam, as leis internas, as condições inóspitas, a impossibilidade de recuperação social que tais condições forneciam. O mais incrível da escrita do Varella é que não há romantismo em sua narrativa. Os personagens são reais, são o que são, mas em momento nenhum perdem sua humanidade, suas nuances de luz e trevas que todos temos.

Estação Carandiru escancara e põe por terra o “senso comum” de que as pessoas que se encontram em tal situação o estão por livre escolha. Ninguém, em sã consciência, escolheria tal vida para si. Não é questão de “passar a mão na cabeça de bandido”, mas de perceber que o cerne da violência é a desigualdade, e é sobre ela que se deve agir. É necessário perceber que a sociedade é violenta como um todo, a medida em que enquanto falta o básico a uns, a outros é dado até mais do que o supérfluo. Até por que não é todo mundo que consegue, por si só, transcender à violência e à miséria, não é?

O livro ainda nos desperta muitos outros pensamentos e nos faz chegar a muitas outras conclusões como, por exemplo, a incapacidade do sistema punitivo de fazer o que ele se propõe a fazer: recuperar pessoas; a realidade do racismo estrutural; e a marginalização das pessoas LGBT’s. Mas, discutir tudo o que Estação Carandiru provoca dá pano para mangas, e o espaço do Instagram não é suficiente para isso (tenho certeza que já estou usando o espaço dos comentários nessa parte hahaha). Além do mais, preciso de muito mais bagagem de leitura para discutir minimamente (e satisfatoriamente) sobre esses assuntos. No entanto, estamos trabalhando para mudar essa realidade. Vamos em frente!

Enfim, Estação Carandiru é um livro incrível, e uma leitura super necessária para despertar discussões que nos levem a uma real e efetiva solução do problema da violência. Ele possibilita o contato com experiências diferentes das nossas e, quem sabe, um maior entendimento sobre a realidade do outro. Sem contar que a escrita do Dráuzio é incrível, sem deixar de ser simples, o que faz com que a leitura flua facilmente. Eu, particularmente, já estou louca para ler os outros dois livros da trilogia (Carcereiros e Prisioneiras) e quando o fizer, venho aqui para a gente conversar mais!

site: https://madrugadaliterarialerevida.blogspot.com/2019/02/estacao-carandiru-um-relato-sobre.html#more
Prii 17/02/2019minha estante
Eu também acrescentei à minha lista de desejados por indicação dela!


Sandra Rosa 17/02/2019minha estante
Lê também MULHERES QUE MENSTRUAM


Polly 18/02/2019minha estante
A Carol é maravilhosa, né, Pri? Quero ler todos aqueles livros que ela indicou hahaha


Polly 18/02/2019minha estante
Esse já tá na lista, Sandra! Inclusive ele também foi indicado pela Carol Burgo!


Prii 18/02/2019minha estante
Demais!!! Quero ler tbm




Laura 14/07/2021

Um dos retratos mais marcantes do lado esquecido do Brasil.
Carandiru pela visão de Drauzio é um dos relatos que mais avassalam os significados que podemos pensar para tratar de desigualdade, justiça, injustiça, código moral, amizade, amor, ódio, enfim, tudo o que rege a abstração e a concretude do qual se faz um homem. Impossível não se perceber emocionada com as histórias dos presos, dos funcionários e do próprio Drauzio. Enxergar a problemática mais de perto quebra qualquer lógica binária de certo-errado, bom-mau, afinal, em nós, comportamos os extremos e todas as nuances entre tais.
Devorei as páginas de uma só vez. A leitura desta obra é algo penoso de pausar, o desejo é conhecer mais cada um dos personagens e o desenrolar de suas vidas. Carandiru é o retrato de um Brasil que não podemos nos dar o luxo de considerar limitado ao acontecimento de 1992.
Denise Ximenes 14/07/2021minha estante
Vale a pena ler, também, Presidiárias.


Laura 14/07/2021minha estante
De Drauzio também, Denise? Ou outro autor?


Denise Ximenes 14/07/2021minha estante
Do Dráuzio. É um raio X dos presídios femininos, onde ele atuou como médico voluntário. Bem forte. Vale demais, Laura!


Laura 14/07/2021minha estante
Irei ler. Muito obrigada pela indicação!




Gláucia 27/02/2011

Boas histórias.
O livro traz histórias sobre os detentos contadas pelo médico Dráuzio Varella no período em que trabalhou no local. São boas histórias mas talvez um tanto quanto romanceadas. Trabalhei num hospital da Zona Norte de São Paulo e éramos referência do Carandiru, ou seja, era para lá que eram enviados os presos quando precisavam de cuidados maiores e cofesso que não consegui ter uma visão muito literária da situação. Em alguns casos e até melhor não saber o que fizeram para estarem lá.
Cleuzita 17/04/2021minha estante
Oi Gláucia, gosto muito das suas impressões literárias. Bjs


Gláucia 17/04/2021minha estante
Obrigada Cleuzita!


Cleuzita 17/04/2021minha estante
? Obrigada pela atenção?


Gláucia 17/04/2021minha estante
Que isso! Muito bom esse espaço pra gente falar sobre nossas leituras e impressões




.Lara 21/01/2021

Não sou acostumada a ler tanto livro de não-ficção, apesar de ter interesse, na maioria das vezes não consigo me acostumar com a escrita. Mas Estação Carandiru é bem diferente, Drauzio Varella trás uma linguagem bem acessível e de fácil entendimento.
As histórias que nos trás a partir dos anos que ele passou dentro da prisão são diversas. O que eu mais gosto, é que ele, como qualquer profissional da área da saúde tem que fazer, não julga os detentos pelos crimes cometidos, pois não é sua função. Ele os trata normalmente, e é algo que todos os profissionais deveriam fazer.
Bia 21/01/2021minha estante
Veja o filme amiga


.Lara 21/01/2021minha estante
Jesus, vou ver, nem sabia que tinha


Bia 21/01/2021minha estante
Tem simm!




Otávio - @vendavaldelivros 17/04/2022

“O convívio, mestre persistente, havia ensinado ao carcereiro-traficante o mandamento supremo da marginalidade:

- O crime é silêncio.”

É natural para quem cresceu nos anos 90 ter lembranças sobre o Carandiru e a cobertura midiática das rebeliões dos complexos prisionais espalhados pelo Brasil. Particularmente, uma das minhas primeiras memórias de matérias impactantes sobre violência vem das memórias do massacre do Carandiru. É sintomático que um livro publicado há 23 anos tenha tanta similaridade com nossa realidade atual e em como evoluímos pouco nas últimas décadas na reforma prisional.

Drauzio Varella ganhou fama por ser a referência médica do Fantástico e da Globo por muito tempo. Figura incrivelmente simpática e humana, o Dr. Drauzio tem uma história importante e significativa atendendo em presídios muito tempo antes dessa fama. Foi esse trabalho, por sinal, que rendeu ao médico material para três livros sobre essas experiências.

Estação Carandiru foi o primeiro desses livros e retrata as experiências e percepções do médico sobre todo o contexto social que formava o Complexo do Carandiru, o maior complexo prisional da América Latina a época, que chegou a abrigar até 9 mil presos ao mesmo tempo.

Narrado de forma fluída, direta e simples, Drauzio demonstra todo seu talento como escritor expondo a realidade, sem tradução com viés e utilizando expressões e frases dos próprios presos, sempre contextualizadas. O texto é direto, muitas vezes cru, mas extremamente fácil de ser lido. Para quem viveu os anos 90 é fácil identificar os contextos sociais e culturais da época, o que transforma o livro em uma janela para um passado recente.

Dos problemas com drogas até o surto de HIV, finalizando no massacre realizado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em 92, o livro não esconde nada e traz muito do olhar dos próprios presos, independente dos crimes cometidos, fiel à realidade e mostrando que a vida nunca pode ser enxergada apenas no preto e branco, mas sim como um universo acinzentado. Grande leitura e experiência, extremamente recomendado para quem quer entender um pouco mais sobre os caminhos de violência que formam o país que vivemos.
Priscilla Tinoco 05/05/2022minha estante
Esse está nos meus desejados!


Otávio - @vendavaldelivros 06/05/2022minha estante
Livraço, Priscillinha, tio Drauzio entrega o que promete.


Priscilla Tinoco 06/05/2022minha estante
Entrega sempre! Ahahaaha




Thayna 11/02/2022

Triste
Foi meu primeiro áudio book que ouvi, a experiência foi legal.

É bom o livro, mas saí da minha zona de conforto quando resolvi escutar esse livro.

Talvez eu devesse ler ao invés de ouvir.
Rafael Kerr 11/02/2022minha estante
Oi. Tudo bem? Talvez você já tenha me visto por aqui. Desculpe o incomodo. Me chamo Rafael Kerr e sou escritor.  Se puder me ajudar a divulgar meu primeiro Livro. Ficção Medieval A Lenda de Sáuria  - O oráculo.  Ja está aqui Skoob. No Instagram @lenda.de.sauria. se gostar do tema e puder me ajudar obrigado.


Thayna 11/02/2022minha estante
Rafael, muito legal já quero ler. ?


Rafael Kerr 11/02/2022minha estante
Que bom que gostou!! Fico feliz...




Nessa 16/01/2009

Recomendo
Li duas vezes e depois assisti o filme... O livro me prendeu e me transportou para um mundo que eu nem imaginava existir... o filme apenas complementou.... Recomendo
barrada 20/01/2009minha estante
Vdd Nessa, mas achei o livro bem melhor. Cheguei a ficar tensa em ler.....Muito bom!


Danilo Silva 07/10/2010minha estante
O livro é ótimo e o filme também! O que mais gostei nessa 'dupla' é que o filme foi muito fiel ao livro... as falas dos personagens e as suas feições possuem uma riqueza de detalhes precisos para com o livro. Claro que algumas histórias foram 'unidas' e outras levemente alteradas, para uma melhor dramatização, mas, nada que comprometa! Muito bom!!!




Fer Paimel 25/06/2020

Muito bom!!
Uma das leituras mais impactantes dos últimos tempos... Tem partes cômicas, violentas, tristes e assustadoras. Inicialmente, eu pensei que seria um livro sobre o massacre do Carandiru, mas Drauzio se debruçou mais no seu trabalho de prevenção ao uso excessivo de drogas e da sua luta contra o HIV (o que faz mais sentido, por ele ser médico).
As constatações dele são fortes e o livro humaniza situações variadas.
Um livro muito bem escrito, compatível com seu renome. Recomendo a todos!
Angélica 25/06/2020minha estante
Outro livro impactante que indico também, que trás um história muito triste do nosso país , é Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex.


Fer Paimel 25/06/2020minha estante
Angélica, eu li esse da Daniela esse mês!! Muito bom mesmo! A leitura me prendeu mais que o Estação Carandiru... eu acho que é porque eu realmente desconhecia sobre a existência e a calamidade daquele ?hospital?. Obrigada, de todo modo!




JPHoppe 29/05/2020

Desde a década de 1990 Drauzio Varella é referência à Medicina na cultura popular brasileira, devido em grande parte aos quadros que apresentou no Fantástico, todo domingo. Alto e esguio, quase sempre de camisa social larga, fala com a voz calma, puxando nos erres, descomplicando temas espinhosos da Medicina, principalmente, e também sobre a sociedade.

No início de sua carreira profissional, Drauzio escolheu estudar a AIDS nos presídios, local onde estava fora de controle devido a uma série de fatores desse tipo de ambiente. Conheceu os presos, o Sistema Penitenciário, a Medicina. Conheceu mais sobre o Ser Humano, e do que ele é capaz de fazer tanto de bom quanto de ruim.

O livro possui uma estrutura simples. Começa com uma explicação dos Pavilhões e funcionamento da Casa de Detenção, conhecida como Carandiru. Pavilhão tal possui essas estruturas, esse tipo de preso, tantos detentos. E assim vai. Segue para uma explicação de como foi exercer Medicina, o que esperava, e o que encontrou. Os capítulos seguintes destinam-se a pequenos relatos do dia-a-dia, algumas vezes biográficos, contando do funcionamento das regras da cadeia. A descrição dos presos é direta. Não é uma visão romantizada, tampouco a do "cidadão de bem" típico brasileiro. É um médico, exercendo a Medicina, em um ambiente diferente.

No fim, o Massacre de 1992 fecha o livro. Se alguém esperava que esse fosse o foco da leitura, pode se decepcionar. Mas, o Massacre nunca foi o mote central da narrativa, tampouco a finalidade do livro ter sido escrito. O estilo de escrita pode não agradar alguns, mas na minha opinião reflete totalmente o autor: é impossível não ler e imaginar o próprio Drauzio, com seu estilo característico, lendo para você.

Ah, e tem o filme, dirigido por Hector Babenco. Vários momentos do livro foram transcritos para a película, mas os contextos são ligeiramente diferentes. Muita coisa não entrou, também. Se você gostou do filme, com certeza vai gostar mais ainda de ler o livro.
Leonardo 07/06/2020minha estante
Excelente resenha. Fiquei com vontade de ler.


JPHoppe 11/06/2020minha estante
Obrigado! Se quiser, assista o documentário sobre o Carandiru, "Deus e o Diabo em Cima da Muralha". Lá você verá vários rostos de nomes no livro, além de algumas histórias.




Eliane Sousa 11/11/2021

Drauzio tem uma escrita super fluida, não é nem um pouco cansativa a leitura. Algumas vezes me perdi na história dos tantos personagens, pois são muitos os carcerários. Não cometam o erro de ir ver o filme após a leitura, é péssimo!
Alê | @alexandrejjr 28/11/2021minha estante
Não gostasse da adaptação? ?


Eliane Sousa 28/11/2021minha estante
Achei péssima. Talvez se eu tivesse assistido antes de ler o livro eu teria achado razoável. Mas é impossível não comparar. Achei as atuações fracas, o papel do Drauzio no filme ficou ofuscado, com um ar de amigo de todos. Algumas histórias dos presos foram trocadas e modificadas, o que eu não gostei. Achei superficial demais.




Eduardo 06/08/2020

É, sobretudo, um livro triste. Funciona bastante por acumulação: de personagens, histórias, e também das cenas de violência que vão construindo a normalidade dentro da cadeia.

A cadeia vira a outra face da moeda da nossa sociedade, concentrando as desigualdades que se ocultam e se diluem mais facilmente do lado de fora da cadeia.

Duas referências literárias me vieram à mente lendo o livro: O Cortiço, pelo seu aspecto de estudo antropológico da miséria na sociedade brasileira, e um pouco de Graciliano Ramos, pela postura do intelectual que se aproxima dos pobres. A comparação com Graciliano serve muito para revelar diferenças entre Ramos e Varela. Varela não escreve guiado por um ideal revolucionário como Ramos. Além disso, se Ramos expressa uma grande empatia com relação a seus personagens fictícios, Varela parece apresentar uma relação que mistura admiração e temor pela realidade que retrata. Essa admiração e temor se dá também pela complexidade das relações sociais construídas dentro da cadeia em que convivem uma moralidade muito rígida mas que também permite profundas violências quando se atravessam linhas bastante tênues.

Ainda sobre a relação com os presos, parece haver uma espécie de troca que acontece pela presença do médico-narrador na cadeia. Ele oferece aos presos um serviço de saúde bastante importante e atencioso; em troca, ele encontra espaços para saciar uma curiosidade (nada leviana, pois sempre bastante prudente e respeitosa) de aprender com aquele ambiente que revela muito da sociedade brasileira, do homem em condições precárias e até de um desafio de exercer medicina em condições precárias.

Novamente, não é uma perspectiva revolucionária. Não se fala no livro em alterar as estruturas sociais que permitem aquele cenário, ou em repensar o sistema prisional.

No final de todo esse acúmulo de violências em meio a uma organização que a normaliza aquela rotina o livro termina com um relato impactante do Massacre do Carandiru, construído a partir de depoimentos dos presos. O livro termina como o encerramento de uma época triste para início de algo ainda mais triste, quando pensamos na segurança pública e violência estatal no Brasil. Penso o quanto esse livro é importante para entender aquele momento do país. Aqueles anos inicias de redemocratização só fizeram mostrar certas feridas deixadas pela Ditadura Militar e que, vergonhosamente, apenas se aprofundaram na Nova República. Após o Massacre do Carandiru forma-se o PCC, que ganha a cena pública em 2006. E nos 10 anos seguintes a população carcerária brasileira quase que dobra.
Luiz 05/09/2020minha estante
Muito boa análise!


Eduardo 08/09/2020minha estante
Obrigado, Luiz!




ana :) 09/10/2021

Condutas da Escola do Crime
Meu primeiro contato com a literatura de Drauzio Varella, e me senti, enquanto lia, como se ele estivesse em mais um reportagem do Fantástico, não de uma maneira ruim, pelo contrário, a forma direta que ele tratou do assunto, sem condenar ou estimar as histórias vividas, vistas e contadas.

O livro inicia com a ambientação, o que foi de boa ajuda o mapa disponibilizado, além das fotos internas que completam a obra. Há histórias de presos, de vida e de crime, o fim a que levou alguns como também aquele corte de cena, que leva a pensar "que fim se deu do sujeito?".

Tratou as epidemias de Tuberculose, AIDS e às inúmeras moléstias, como também do vício de cocaína e crack. Como também trouxe as formas de sobrevivência que os presos adotavam, indo da conversão — ou falsa conversão — às diversas religiões praticadas, ao fortalecimento do tráfico de drogas e prostituição, esse último sobretudo da parte de travestis.

Finalizando o livro, há o desmembramento do massacre de 92, que apesar dos relatórios oficiais da parte da polícia, mortos e feridos não contados ultrapassam as contagens oficiais. No geral, é um ótimo livro. A leitura flui, com os capítulos pequenos e a linguagem não rebuscada é de fácil entendimento da vida ali dentro.

“Neste livro, procuro mostrar que a perda da liberdade e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam. Em cativeiro, os homens, como os demais primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos), criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Esse processo adaptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são aplicadas com extremo rigor.“ (p. 10)
Eric Luiz 09/10/2021minha estante
Carcereiros e Prisioneiras do Drauzio também são ótimos.


ana :) 09/10/2021minha estante
Carcereiros é minha próxima leitura!




Alê | @alexandrejjr 06/07/2021

Uma cicatriz brasileira

A violência é uma chaga com a qual os brasileiros vivem e convivem cotidianamente. Ela se tornou tão natural a ponto de criar uma espécie de anestesia moral diante dos nossos olhos. Para a grande maioria, a crueldade não choca. Para uma importante minoria, essa é uma realidade que deveria pertencer apenas à ficção.

O livro “Estação Carandiru”, lançado pelo médico oncologista Drauzio Varella em 1999, é um trabalho que parte da minoria citada no primeiro parágrafo. É por um sentimento de indignação, mas além disso, de dever, que Drauzio traz à luz, como poucas obras nacionais de não ficção já fizeram, uma realidade esquecida, ignorada por quem prefere ficar calado diante daquilo que despreza.

Para falar de um espaço tão alarmante quanto a cadeia, é necessário o mínimo de base empírica. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, o Depen, o Brasil tinha no primeiro semestre de 2020 um total de 678.506 presos, o que lhe concedeu a terceira posição no ranking da população carcerária mundial. É desesperador. Os dados mostram que, diferente do que pensam os “cidadãos de bem” que proliferam as mentiras que afundam o país numa espiral de ignorância, a maioria desses presos cometeu crimes envolvendo tráfico de drogas, entre taxas que variam de 35% a 40%. Portanto, não, a maioria dos presos no país não são estupradores e assassinos em série - o que, infelizmente, não impede que a malandragem envolvida com drogas não tenha cometido tais crimes. Sigamos.

Em “Estação Carandiru”, Drauzio aborda a mazela da desumanidade, essa que aflige a quem a sociedade elege e julga como escória. Todos sabemos que as prisões brasileiras não servem e nunca irão servir para ressocializar quaisquer presos. Elas existem, como herança escravocrata, para apenas um propósito: separar os indesejáveis. E nesse universo particular vive mais um dos tantos “Brasis” que temos. A cadeia possui códigos morais invioláveis com penas capitais. E é aí que entra o olhar humano, alheio à anormalidade do cárcere, do médico voluntário que vai trabalhar para diminuir os casos da epidemia de aids que assolava o então maior presídio da América Latina, a Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru. Em meio a traficantes, assaltantes e estupradores, Drauzio descobre como a vida é constituída de infinitas possibilidades. Afinal, como é possível viver - ou melhor, sobreviver - em um ambiente infestado de doenças, ratos e baratas e onde a morte é a saída menos indolor para enfrentar a passagem do tempo? Uma resposta possível está neste livro.

Em meio às histórias cômicas coletadas pelo médico, contadas com uma prosa elegante e instigante, os leitores se deparam com personagens tão reais e palpáveis que parecem furtados ironicamente da ficção, da imaginação de uma mente criativa. No entanto, é a realidade que torna o livro indispensável para qualquer um que julgue ter um pensamento humanista, pois é o lugar inimaginável do outro - do preso, do criminoso, do pária social - que Drauzio apresenta, não deixando morrer na memória coletiva essa cicatriz que a sociedade brasileira não consegue curar.

Adaptado em 2003 para o cinema pelas mãos habilidosas de Fernando Bonassi, Victor Navas e Hector Babenco, este último também diretor, o filme “Carandiru” dá uma boa noção da grandeza do livro. Antes de ser leitor das histórias da Casa de Detenção, fui espectador. Inúmeras vezes. E fico feliz de ter visto e lido sobre o universo das prisões brasileiras, pois assim posso lembrar que meus olhos não percebem a pequenez do meu mundo.
heloisa helena 06/01/2022minha estante
Perfeito!


Alê | @alexandrejjr 10/01/2022minha estante
Obrigado por ter lido, Heloisa!




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