Jordana Martins(Jô)
22/05/2017Os pássaros | Fenômeno natural ou castigo divino?Lançado no segundo semestre deste ano, o livro homônimo do filme de Alfred Hitchcock, tanto que achei que era o roteiro do filme a ser publicado, mas não o livro é do autor Frank Baker. Confesso nunca ter ouvido falar do mesmo até o livro chegar a minhas mãos. Então a DarkSide Books resolveu publicar este livro, que foi rotulado como suspense e terror, mas que no fim das contas não foi isso que me pareceu.
O livro é narrado em primeira pessoa. O narrador conta a história para a sua filha Anna e pede que a mesma a escreva tal qual ele a conta. O narrado relata os fatos que ocorreram desde a primeira aparição de misteriosos pássaros, pois a sua filha sempre lhe perguntava que pássaros eram esses do passado. Se era um modo linguístico dos mais velhos de falar ou se de fato tais aves existiram.
“Antes da chegada dos pássaros” era uma frase que meu pai usava muito. Quando criança, dei pouca atenção a tais palavras; elas formavam somente uma sentença em uma linguagem de adulto com qual não me importava.”
No inicio a história parece empolgante, mesmo depois tendo visto na introdução de que o livro não era baseado em Hitchcock. O que encontramos na narração do autor são todos os fatos de sua vida, inclusive sobre os pássaros. A história se passa na Inglaterra, mas aparentemente não é a Inglaterra que conhecemos, mas aparentemente é no período pós Segunda Guerra Mundial.
“Também nessa época, um homem detestável que surgira com grande proeminência na Alemanha foi bastante atormentado pelos pássaros durante uma assembleia política. Ele era conhecido como perseguidor de judeus e profeta do antigo grito de guerra imperial de seu povo...”.
Um bando de pássaros aterrissa no meio de uma praça. As pessoas que estavam próximas chegam para poder admirar tais criaturas, que se comportam de maneira estranha. Como se estivesse a observar as pessoas e os seus modos comportamentais. Os pássaros mais pareciam observadores do que observados, mas este era um fato que não era de conhecimento das pessoas que se amontoavam para vê-los. Uma senhora sai do meio da multidão e joga comida as criaturas, mas inesperadamente uma ave voa e a ataca. A mulher corre e a ave em seu encalço. Ela é encontrada morta dentro de uma cabine telefônica.
“De repente uma investida que pareceu comandada por um deles, os pássaros mergulharam. Sem se importar com as pessoas que roçaram levemente ao passar...”.
Este foi o primeiro ataque de muitos que os pássaros fizeram. Mais nem só de ataques misteriosos foi feito o livro. Muito pelo contrario, os ataques são muitas vezes mencionados de forma simplória. O autor dá maior ênfase mesmo é no estilo de vida da época. Muitas vezes o leitor pode até esquecer-se do que se trata a livro. Se o título realmente condiz com o conteúdo. De fato o autor narra de forma bem lenta. Determinados assunto são bem maçantes e desnecessários. O que torna a leitura desgastante e entediante. Esses fatores fizeram-me demorar mais do que o comum para terminá-lo. Por vezes até pensei em desistir, mas fui até o fim.
O autor foca muito no cotidiano das pessoas, e vemos isso como uma crítica a sociedade da época. O livro originalmente foi escrito no ano de 1936, período em que se estava nos anos que antecediam a Segunda Guerra. Ele nos coloca numa sociedade onde descrimina muito. Retrograda em muitos aspectos, que só viriam a mudar com a chegada da guerra. Como as mulheres começarem a trabalhar, pois os seus maridos e filos estavam no front. Além de mostrar como eram os fatores econômicos, ele entra numa parte delicada, a sexualidade.
“Nosso velhos nunca fizeram nenhuma tentativa de desembaraçar os cabos emaranhados dentro de nós. Era impossível associar os pais de alguém aos terríveis desejos carnais que então nos deixavam perplexos.”
Naquela época tudo era repleto de puritanismo fajuto. Os adultos, principalmente os jovens eram obrigados terminantemente a se desconhecerem. Os piores lugares acabavam sendo as escolas, onde meninos eram separados de meninas. O sexo só poderia ser discutido abertamente por membros do mesmo sexo. O que era uma piada. Os adultos não tocavam nos assuntos com os filhos, e nunca os próprios se associavam com desejos carnais. E o que isso gerava? O homossexualismo, sim, pois com a sede de se conhecer, os jovens como pouco contato tinham com o sexo oposto, tinham as suas primeiras interações sexuais com pessoas do mesmo sexo.
“... aqui parece natural permitir que o amor floresça de qualquer forma – seja entre jovens, entre moças ou entre jovens e moças. Entretanto, em nosso tempo, a homossexualidade era considerada uma desonra tão grave... levava o homossexual às punições legais mais severas.”
Além do fato de que essas interações fossem vistas com maus olhos perante a sociedade, eram bastante encorajadas nas escolas, o que era bem controverso. É como se estando fora do olhar da sociedade tudo fosse possível. É disso que o autor retrata o todo o livro em essência a hipocrisia. A sociedade punia a aqueles que faziam algo que ao ver deles fossem fora dos padrões, mas escondidos dos olhares da maioria tudo podia acontecer.
“Contudo, na nossa época, homossexuais eram criados artificialmente, isto é, pela influência prevalecente de um sexo em uma época em que o outro sexo deveria ser dominante.”
E é aí que o autor vem com as diversas teorias sobre o surgimento dos pássaros. A primeira vitima ao ser atacada dizia ser inocente e nunca ter feito mal a ninguém. O narrador descobre a pobre mulher era uma cafetina. E eis a primeira teoria: os pássaros eram um castigo vindo de Deus. As diversas vítimas das criaturas aparentemente sempre tinham um pé preso, mas no fundo viviam de aparências. Mostrando que o homem não reconhece o mal que causa aos outros, desde que não o atinjam.
“Tentei justificar a presença dos bichos, afirmando que eles tinham sido enviados por um deus ofendido para dar lição aos homens. Para meu amigo... Ele não acreditava em Deus; tudo, disse ele, deve seguir uma lei natural.”
Outro fato era que o governo procurava sempre esconder os ataques dos pássaros e a sua incapacidade de dar um fim a tais criaturas. Tal qual como ainda é hoje, as mídias estão sempre interferindo de modo a desviar a atenção dos reais problemas. Mesmo com um conteúdo de qualidade o autor pecou com a escrita lenta e chata. Tanto que o livro não foi um sucesso na época. As criticas a sociedade são um tapa na cara, que serve ainda para os dias atuais, mas ela poderia ter sido desenvolvida de maneira menos cansativa. Isso foi o ponto mais fraco de toda a narrativa. A falta de dinâmica.
“No entanto, de repente nada do que vejo diante de mim parece real. Por um instante,eu queria a vida passada de volta,seja ela mentira ou verdade; hipocrisia ou honestidade; covardia ou coragem.”
Já o final do livro foi de fato bem apocalíptico. As aves decidiram fazer o massacre. O narrador sobreviveu, mas de fato não se sabe o porquê e de como ele sobreviveu. O livro tem um final aberto, não deixando conclusão sobre a real origem dos pássaros, mas nos deixa a imaginar se era um fenômeno natural ou algo sobrenatural como uma punição divina. É um livro que com certeza deveria ter feito mais sucesso em sua época de publicação, mas por conta das mentes fechadas daquele tempo o livro foi considerado um fracasso.
A DarkSide Books não deveria ter vendido o livro só como terror,mas sim ter aprofundado para as críticas sociais do livro. Para pelo menos os leitores irem sabendo do que se trata e não levar gato por lebre. Claro que os ataques dos pássaros remetem medo ou pavor, mas passa longe de ser o principal assunto do livro. Ele é muito mais do que os ataques de pássaros tratados no filme de Hitchcock, que por sinal nem foi baseado no livro. Diz Alfred que ele foi baseado em um poema. Ele tirou a poesia e colocou só os ataques e mortes. O livro foi vendido assim, mas o conteúdo é bem diferente. O trabalho editorial, desde a capa ao miolo do livro é impecável A tradução foi feita por Bruno Dorigatti com Introdução de Ken Moog.