Gloria Ferreira 05/09/2016
Psicodélico
Está na lista dos preferidos da Tatiana Feltrin, e, como confio cegamente nas preferências dela, resolvi ler. O livro é um conjunto de ensaios psicodélicos sobre morte, sonhos e tudo que permeia o nosso inconsciente. Nos contos, os personagens aparecem meio que indiretamente, alguns ficam subtendidos, sem um definição clara no contexto das histórias, assim como os próprios desfechos, o que me confundiu bastante. A linguagem poética do Garcia requer BASTANTE atenção para não ser julgada injustamente.
Acho um pouco desonesto basear nossos gostos nos de outras pessoas, porque, de certa forma, acabamos maquiando nossa própria opinião. Mas confesso que as cinco estrelas da minha avaliação foram EXCLUSIVAMENTE para o conto que nomeia o livro, o Olhos de Cão Azul. Por outro lado, me decepcionei bastante com todo o resto, praticamente 80% das outras narrativas foram indiferentes para mim, não sei se é porque fiz toda a leitura no barulho dos ônibus, sem a concentração necessária, ou é meu gosto literário que ainda está meio imaturo para recebe-las, mas apenas Olhos de Cão Azul me atraiu.
Para mim, este conto foi especialmente agradável e original. Mostra a história de um casal que se encontra apenas em sonhos e, dessa forma, se apaixonam, vivendo o conflito de, ao despertarem, não saber quem é quem na realidade. Apesar de não seguir uma linha cronológica de acontecimentos, e do dialeto à la Garcia Marquez, a forma como é escrito nos faz presenciar todas as cenas, todas as aflições dos dois personagens. Nos faz visualizar a menina dos olhos cinzas de ''cão azul'' e sentir a angustia do homem que não consegue toca-la, em decorrência do paradoxo de dimensões.
Reli alguns trechos, que inclusive me fizeram arrepiar, encostando sobre o peito, fechando os olhos e agradecendo mentalmente ao autor pelo poder de suas palavras. Considero esse o verdadeiro prazer da literatura: o de nos envolver na mesma proporção dos personagens e de nos apresentar novos universos, paralelos ao nosso.
"Sua vida estava dedicada a me encontrar na realidade, por meio dessa frase identificadora. "Olhos de cão azul." E na rua ia dizendo em voz alta, que era uma maneira de dizer à única pessoa que teria podido compreendê-la:
'Eu sou a que chega em seus sonhos todas as noites e lhe diz isto: olhos de cão azul[...]'"
"[...]Seus dentes apertados resplandeceram sobre a chama. 'Eu gostaria de tocar em você agora', disse. Ela levantou o rosto que estivera olhando a luz: levantou o olhar ardente, assando-se também do mesmo jeito que ela, do mesmo jeito que suas mãos: e eu senti que me viu, no canto, onde continuava sentado, me balançando na cadeira. 'Você nunca me tinha dito isso', disse. 'Agora digo, e é verdade', disse'".