Lua 02/09/2017
Aquele que foi criticado por Machado de Assis!
Para quem não é tão habituado à literatura clássica, o início da leitura pode se mostrar um obstáculo difícil de ser ultrapassado. Não obstante, com um certo esforço que pode facilmente ser nutrido pelo enredo envolvente do livro, tal obstáculo torna-se minusculo. Essa foi a minha primeira experiência com o Eça de Queiroz e confesso que a apreceei bastante, embora, devo acrescentar, não me enche os olhos voltar a ler algo do autor. A verdade é que apesar de ser uma grande leitura, as descrições exageradas afastam as intenções de uma nova leitura do Eça, ainda que tenha convicção de que repetirei a mim mesma sobre as qualidades da obra para que possa voltar a lê-lo.
Dando uma rápida lida na parte comentada do livro, vi sobre a famosa crítica de Machado de Assis. Ainda que não tenha lido nenhuma obra dele, reconheço sua grandiosidade e a respeito. Porém, em alguns pontos me vi obrigada a discordar. Estarei utilizando-me de tal crítica para dar prosseguimento à minha já que a achei demasiada interessante e gostaria de disssertá-la.
"Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência; Basílio não faz mais que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Uma vez rolada ao erro, como nenhuma flama espiritual a alenta, não acha ali a saciedade das grandes paixões criminosas: rebolca-se simplesmente. Assim, essa ligação de algumas semanas, que é o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar. Que tem o leitor do livro com essas duas criaturas sem ocupação sem sentimento? Positivamente nada. "
Para Luísa, mulher burguesa da século XIX, é inevitável que sua vida de caía num infinito tédio visto que a sociedade não oferecia muitas oportunidades para as mulheres, a não ser casar e ter bons filhos. Com efeito, Luísa se instala em um bom casamento, ama e é amada por Jorge, seu marido; vive uma vida confortável e é mimada de todas as maneiras. O que a falta afinal? À primeira vista é fácil julgá-la superficial, uma mulher que se encontrou ao primo sem grandes motivos. Entretanto, analisando mais atentamente o contexto, veremos que na posição de Luísa não é tão simples assim viver como vive: Ela sonha em viajar, anseia viver as grandes paixões que ler nos romances, mas o que tem apenas é uma vida pacata, sujeita às ações doméstica. Ademais, à visão de sua amiga Leopoldina, que está sempre engajada a aventura românticas, sua vida toma um tom mais monótono. Ela também quer viver tais aventuras! E Basílio a oferece isso. Logo ela caí nas investidas sedutoras do primo, que lhe jura levá-la para Paris, repete o quanto a ama.
"Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende a vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil!"
Em um dado momento é mostrado que isso não passa de palavras vazias que buscam seduzi-la para às suas luxúrias. Ele, de fato, a aprecia, mas limitá-se a isso, um simples passatempo enquanto se hospeda em Lisboa. Logo ele arranja um lugar para se encontrarem:
"Por um feliz acaso descobri o que precisávamos: um ninho discreto para nos vermos... [...] Batizei a casa com o nome de Paraíso; para mim, minha adorada, é com efeito o paraíso."
Passam a se encontrar então todos os dias no Paraíso, Basílio pouco imoortando-se com a reputação da jovem Luísa, que passa a incomodar-se com isso e com o fato dele demonstrá-la pouco estima.
"E depois positivamente não a respeitava, não a considerava... Tratava-a por cima do ombro, como uma burguesinha, pouco educada e estreita, que apenas conhece o seu bairro."
E, encerrando este trecho do Machado, que temos nós, leitores com isso? Muitas pessoas vivem, até hoje, com esses sentimentos. É justamente esse o encanto da leitura, a demonstração nua e clara do interior humano, sem sempre precisamos do que estimamos, mais tais desejos nos cegam. Alguns, quando desfrutam de boa vida, não se satisfazem e estão sempre a procura de algo a reclamar.
Machado critica também "A preocupação constante do acessório", cenas que eles julgam desnecessárias. Concordo em parte com tal colocação. As cenas talvez sejam necessárias para a obra, mas o estendimento das descrições do pequenos detalhes deixam o texto cansativo, visto que se trata de uma linguagem bastante rebuscada. Não ser isso, o livro seria devorado facilmente, dado o envolvimento do enredo.
Os demais personagens são extremamente bem construídos, mostrando cada um sua importância na trama, com ênfase especial à Juliana, é claro. Apesar do pai do Eça, em carta, aconselha-lhe que havia um realismo exagerado em sua personalidade, já que "os ódios contra os amos quadram-se mais a propriamente nos países onde a classe servil está sempre em rebelião.", esta é de fato a personagem mais importante. Apesar de bastante rancorosa e, por vezes, odiosa, é extremamente compreensível sua raiva dos patrões. Ela que cuidou da tia de Jorge quando padecia no leito da morte, e apenas recebeu o desprezo de Luísa como troca. Juliana é o reflexo do trabalho mal remunerado da época que, infelizmente, se estende até os dias de hoje. Luísa, portanto, não é mocinha vítima de uma empregada invejosa; na verdade, nenhum personagem ali é integralmente vítima. Nem mesmo o Jorge, o tão traído marido, já que ele também demonstra um desprezo enorme pela empregada. Talvez o único que tenha inteiramente um bom coração seja o Sebastião que sempre buscou ajudar.
Em suma, é um romance bem complexo, inteligente, que tem inúmeras vertentes capaz de nos fazer refletir. Uma verdadeira obra prima!
"É que o amor é essencialmente perecível, e na hora em que nasce começa a morrer."
PS. A adaptação cinematográfica de O primo Basílio, estrelado por Débora Fallabela e Fábio Assunção, retratada com dignidade a obra, vale muito a pena assistir depois dessa deliciosa leitura.