spoiler visualizarZelinha.Rossi 26/01/2017
Muito, mas muito, original!
O livro confirma, desde o princípio, o que dizem suas resenhas: o mais original de Mario Vargas Llosa. E, para confirmar isso, o ideal é justamente não ler nada que fale algo sobre a história: nem a contracapa, nem as orelhas, nem qualquer comentário sobre a obra. Foi o que fiz. Até porque, inicialmente, nos sentimos um pouco perdidos. O primeiro capítulo nos apresenta os principais personagens: Mario, um jovem de 18 anos estudante de direito que escreve boletins de notícias para a rádio Panamericana, tia Julia, irmã da tia de Mario, divorciada recentemente e que vem ao Peru para tentar encontrar um pretendente, e Pedro Camacho, um escritor de radionovelas apaixonado pelo ofício, que trabalha incansavelmente, de domingo a domingo, recém contratado da Bolívia para escrever novelas para a rádio Central, cujos donos (Genaro pai e Genaro filho) são os mesmos da rádio Panamericana. O segundo capítulo inicia com uma história sobre o casamento da sobrinha de um médico (Alberto de Quinteros) e a descoberta de que esta havia se casado por estar grávida de seu irmão. E então começamos a pensar: mas quem diabos é Alberto de Quinteros? Que relação este tem com a história? Por que houve uma quebra de narrativa que se revela até mesmo na forma com que a história é escrita? No terceiro capítulo continuamos com a história de Mario e tia Julia (que começam a se apaixonar) e Pedro Camacho, até que – bam – no quarto, mais uma história aparentemente sem nexo: o aparecimento de um homem ferido a navalhadas, provavelmente vindo clandestinamente da África e a decisão dos superiores do guarda que o havia encontrado por matarem-no. E então, a luz: me dou conta de que estas histórias, do guarda e do médico, nada mais são do que capítulos das radionovelas escritas por Pedro Camacho, e já começo a me apaixonar pela obra – é, efetivamente, extremamente original. Até porque, como já afirmei, Vargas Llosa se transforma em dois autores: ele mesmo escreve a história de Mario e Julita, enquanto, personificado na pessoa de Camacho, narra as radionovelas, de uma forma bastante diferente. As novelas, aliás, são extremamente divertidas: nos apresentam aquilo que é próprio do gênero: tramas absurdas, que beiram ao ridículo através do exagero, com clímax que nos levam a pensar: e agora? O que vai acontecer? Como este terrível drama será resolvido?
E isso porque o melhor ainda está por vir – o momento em que percebemos, inicialmente de forma sutil e, posteriormente, de maneira descarada, “erros” nas histórias, como o aparecimento de personagens de outras novelas com histórias trocadas. Isto fica mais grave quando, na mesma novela, um personagem troca de nome e assume a identidade de outro de outra novela e, então, começamos a nos perguntar: isto é proposital? Deste ponto em diante, começamos a perceber que Camacho comete erros e que isto pode ser reflexo do exagero de trabalho ao qual se impõe. E então, na trama de Mario, isto começa a ser comentado: Camacho está se esquecendo das tramas que cria (e sobre as quais não deixa registro), donos e atores estão preocupados com ele, será que Mario não poderia conversar com o escritor? Isto para mim foi fenomenal: Lllosa leva o autor a perceber as mudanças de Camacho por si só, pela leitura de suas novelas, antes que os personagens e o próprio Camacho admitam os problemas. E, ao final, a mistura de personagens numa mesma novela chega a ser tão enorme e absurda que as histórias são abertamente cômicas e, por isso mesmo, brilhantes. O que, infelizmente, contrapõe ao destino das personagens “reais”, que, ao contrário, é triste: Camacho, após ser internado em um manicômio, deixa de ser escritor e passa a ser um mero informante de uma revista falida, que nem ao menos se lembra (ou escolhe não se lembrar) da glória que já alcançou, retomando o casamento com uma prostituta argentina (seria ela o motivo de todo o ódio que ele demonstra pelos argentinos em suas novelas?). Depois de toda a dificuldade para se casarem e ficarem juntos, a história de Julia e Mario também chega ao fim: eles se divorciam após oito anos juntos. O que não deixa de ser uma marca de Llosa: a ausência do final feliz, afinal, a vida não é bem assim.
Por tudo o que foi mencionado, a obra é divertida, magistral, totalmente diferente de qualquer história que já tenhamos lido, e, por isso mesmo, fenomenal!