Sally.Rosalin 16/02/2015Recordar12/2015 - O livro dos abraços de Eduardo Galeano é um apanhado de vários momentos ou de momentos de outras pessoas que de certa forma estiveram com ele. Estou lendo sua obra mais conhecida no momento "As veias abertas da América Latina", tudo bem que ele recentemente disse que não leria e não aconselharia a ninguém a lê-la. Enfim.
Interessante como ele aborda as ditaduras na Argentina, Uruguai e cita até um episódio com Darcy Ribeiro. Achei bem diferente. Para quem não o conhece, ou não se interessa por História, realmente será uma leitura complexa e sem sentido. Achei uma forma inteligente, sem compromisso com a linearidade, de fazer a própria biografia. Como ele começa "Recordar: do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração". Deixo então algumas partes e a indicação da leitura para quem curte o autor e também História.
"... e demoram muito para descobrir que o socialismo é o caminho mais longo para chegar do capitalismo ao capitalismo."
"Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais."
Paradoxos
Se a contradição for o pulmão da história, o paradoxo deverá ser, penso eu, o espelho que a história usa para debochar de nós.Nem o próprio filho de Deus salvou-se do paradoxo. Ele escolheu, para nascer, um deserto subtropical onde jamais nevou, mas neve se converteu num símbolo universal do Natal desde que a Europa decidiu europeizar Jesus. E par mais inri, o nascimento de Jesus é, hoje em dia, o negócio que mais dinheiro dá aos mercadores que Jesus tinha expulsado do templo.Napoleão Boanaparte, o mais francês dos franceses, não era francês. Não era russo Josef Stálin, o mais russo dos russos; e o mais alemão dos alemães, Adolf Hitler, tinha nascido na Áustria. Marguerita Sarfatti, a mulher mais amada pelo anti-semita Mussolini, era judia. José Carlos Mariátegui, o mais marxista dos marxistas latino-americanos, acreditava fervorosamente em Deus. O Che Guevara tinha sido declarado completamente incapaz para a vida militar pelo exército argentino. Das mãos de um escultor chamado Alejadinho, que era o mais feio dos brasileiros, nasceram as mais altas formosuras do Brasil. Os negros norte-americanos, os mais oprimidos, criaram o jazz que é a mais livre das músicas. No fundo de um cárcere foi concebido Dom Quixote, o mais andante dos cavaleiros. E cúmulo dos paradoxos, Dom Quixote nunca disse sua frase mais célebre. Nunca disse: Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos.“Acho que você está meio nervosa”, diz o histérico. “Te odeio”, diz a apaixonada. “Não haverá desvalorização”, diz, na véspera da desvalorização, o ministro da Economia. “Os militares respeitam a constituição”, diz, na véspera do golpe de Estado, o ministro da defesa. Em sua guerra contra a revolução sandinista, o governo dos Estados Unidos coincidia, paradoxalmente, com o Partido Comunista da Nicarágua.E paradoxais foram, enfim, as barricadas sandinistas durante a ditadura de Somoza: as barricadas, que fechavam as ruas, abriam o caminho.
O sistema (1)
O dinheiro é mais livre que as pessoas, as pessoas estão a serviço das coisas.