spoiler visualizarLis 02/12/2017
Como conversar com um fascista, de Marcia Tiburi [Opinião Letras e Café]
Nos primeiros capítulos a minha vontade era acender uma fogueira e jogar este livro nela. Mas segui a dica de "suspensão" das leituras chatas por 10 dias e depois retomei, o meu ódio fascista não retornou.
Essa "raiva" inicial não se deve ao tema, mas ao ensaio, não sou fã deste gênero. Depois da pausa, reli o título e o SUBTÍTULO: "REFLEXÕES sobre o cotidiano do brasileiro." OK... retomei a leitura, já estava começando a pensar "deve ser mal de filósofo", porque o último que li do Cortella me lembrou esta narrativa da Marcia.
Antes de opinar alguma coisa sobre o livro devo fazer duas considerações: quando deixei o livro descansar por um período, fui ler os comentários de outros skoobers sobre ele e não encontrei um que falasse bem da narrativa, estranhei. Segunda: "conheci" a Marcia Tiburi pelo YouTube, assistindo às suas palestras, depois vi uma divulgação de que ela viria para minha cidade fazer uma participação em um evento literário e trocar algumas ideias sobre um romance, decidi ir ouvir o que ela tinha a dizer. Acabei "conhecendo" a Marcia pessoalmente, comprei este livro, ganhei autógrafo e foto, com muito respeito e carinho, ela é uma pessoa adorável e até elogiou feliz o curitibano por entender ironias.
Agora vamos à opinião:
Como disse, ao leitor desatento para o termo "reflexões" poderá considerar maçante os capítulos curtos e as frases curtíssimas, começa a ser cansativo. Espero estar enganada, mas tive a impressão de: "se você é fascista desistirá da leitura". Percebi que a partir do capítulo que trata sobre a violência contra a mulher, as frases começaram a ficar mais longas e os capítulos também, trazendo de volta a vontade de ler.
A obra coloca o dedo na ferida e grita cuspindo na sua cara "você também é um fascista!" Aliás, vamos percebendo quantos deles estão ao nosso redor e quanto ainda falta para nos desintoxicarmos desse mal quase que imposto pela sociedade durante a nossa vida.
Não ache que você encontrará bases teóricas descritas minuciosamente, há referências claro.
É um livro que eu não leria novamente, pelo tipo da narrativa mesmo, achei muito chata, porém, me ajudou a refletir "preciso ler outras percepções, sair um pouco da literatura clássica".
Esta também é uma das poucas leituras que fico a pensar se li errado. Ah! E o início assusta (deve ser por isso a grande parte dos comentários odiosos sobre o livro), a impressão que se tem é "vou escrever sobre como conversar com um fascista sendo um", vale também lembrar, como a própria Marcia disse nesta palestra a qual assisti que o livro não é nenhum manual de ensinamento sobre como você deve dialogar com uma pessoa fascista, mas sim enxergar que as nossas próprias atitudes diárias podem aproximar-se desse "personagem".
Por fim, em um mundo cada vez mais odioso, busco entender sobre nossas ações voltadas para o mal. Estou atrasando a leitura da grandiosa obra "A condição humana" que está me encarando neste momento, mas creio que é fundamental todos os brasileiros tentarem entender um pouco das próprias ações. O ser humano não nasce bom, ele é ensinado sobre o que é certo e errado. Assim, não tenho esperanças de que possamos ser bons algum dia, mas tenho de que um dia entenderemos que as atrocidades cometidas pela humanidade não são corretas de forma alguma.
Se a ideia do livro foi despertar a reflexão para a banalidade do mal no outro e que todos temos potencial para um perfil fascista, ele conseguiu.
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EDIÇÃO LIDA PELO LETRAS E CAFÉ:
TIBURI, Marcia. Como conversar com um fascista: reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. 10 edição. Rio de Janeiro: Record, 2017. 194 páginas.
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SUMÁRIO:
- Apresentação (por R. R. Casara)
- Prefácio (por Jean Wyllys)
- Questões preliminares: experiência política e experiência da linguagem ou o diálogo como desafio
- Como conversar com um fascista
- Máquina de produzir fascistas - A origem e a transmissão do ódio
- Afeto contagioso
- Paranoia como condição social
- Treino para o ódio
- Um desafio teórico-prático
- "Tudo o que não presta"
- Experimentum Crucis
- Abertura
- Indústria cultural da antipolítica - O caráter manipulador
- O analfabeto político é antipolítico
- Democracia: a palavra mágica
- A partilha da miséria
- Distorcer é poder
- Consumismo da linguagem: o rebaixamento dos discursos
- Democracia e autoritarismo
- Flerte antidemocrático
- Sobre o desejo de democracia
- Neofundamentalismo
- Crença útil
- A violência e os meios de comunicação
- Linchamento - Cumplicidade e assassinato
- Prepotência
- Em nome da angústia - Uma meditação sobre a morte
- Vida como categoria política
- Histeria de massas
- Depressão: uma questão cultural
- Luto proibido
- O peso mais pesado - Ódio e meios de produção do ressentimento
- Mais amor, por favor
- O amor é histórico
- Eu te amo
- A cultura do assédio
- A lógica do estupro
- Condenação prévia e responsabilidade
- Toda mulher é "estuprável" ou o sexo é apenas lógico?
- O que é "ser mulher" enquanto "ser estuprável"?
- Pensar na vítima e esquecer o criminoso
- Como alguém se torna um estuprador?
- Ignorante com poder e sem poder - Um problema no âmbito da legalização do aborto
- As pessoas não sabem o que dizem quando falam contra a legalização do aborto
- O aborto e a bondade das pessoas de bem
- A postura a favor da ilegalidade
- "Olho gordo" - Uma pequena nota sobre a inveja, o medo e ódio na televisão
- Coronelismo intelectual
- Intelectual serviçal
- A arte de escrever para idiotas
- O consumismo da linguagem
- Deriva
- O ato digital
- O outro lado
- Falação mecânica
- Mitos e ressentimento brasileiros
- O Brasil dos outros
- Brasil recalcado
- Terra de ninguém simbólica
- O Brasil para brasileiros
- O Brasil contemporâneo
- Alteridade, redes sociais e a questão indígena no Brasil
- A internet e a questão indígena como retorno do recalcado
- Redes sociais - Círculo cínico, senso comum, laboratório de alteridade
- Contraconsciência do assassinato
- Uma verdade outra, um outro in-comum
- Reconhecimento
- A violência hermenêutica e o problema filosófico do outro
- A paranoia da autorreferencialidade
- Bibliografia
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SOBRE A AUTORA:
Marcia Tiburi é graduada em Filosofia e Artes e mestre e doutora em Filosofia. Tem diversos livros publicados na área, entre eles "Filosofia em comum" (Record, 2008), "Olho de vidro - a televisão e o estado de exceção da imagem" (Record, 2011) e "Filosofia prática" (Record, 2014). Autora do romance "Magnólia" (Bertrand Brasil, 2005) e de "Era meu esse rosto" (Record, 2012), finalistas dos prêmios Jabuti e Portugal Telecom, é colunista da revista Cult e professora de Filosofia, tendo ensinado em várias universidades.
site: www.letrasecafe.com.br