Sintaxe 04/12/2023
O que dizer...
O que dizer quando a prosa exangue inventaria - e não inventa - uma paixão morna, entorpecida, nascida de clichês, revirada em lugares comuns, repetindo a clássica dicotomia homem/mulher com este primeiro sendo altivo, altaneiro, poderoso, heróico e a última passiva, sentimental, fantasiosa? O que dizer quando o terceiro par desse triângulo amoroso carrega em si a marca da masculinidade em-si-mesmada, crente de possuir o mundo em suas mãos e portanto não cedendo aos obstáculos ao seu desejo que não deve, em hipótese alguma, ser impedido de fruir, sem que haja, nisto, qualquer tipo de nuance elaborada ou mesmo discussão parcial? O que dizer quando as descrições do narrador, que bem podemos imaginar sendo o próprio Pedro Bandeira com sua estultícia velada, são cruéis, julgadoras, moralistas, reificantes, fazendo do mundo feminino uma série de caracteres simples - a "bonita", a "gorda", a "péssima mãe", a "adolescente com baixa autoestima"? Ou, ainda, o que dizer quando a narrativa degringola numa série de fantasias quase pornográficas, explorando o corpo da protagonista como se faz com o cadáver de uma diretora obesa? O que dizer, finalmente, quando a recepção geral diante do "plot twist" é a de uma surpresa imediata, infantil, quando a escrita, de modo consciente, nunca se pretendeu minimamente densa? De fato, alguns leitores parecem não ter passado da idade da protagonista, em todo caso certamente mais inteligente e de espírito mais aguçado do que a maioria dos "adultos" consumindo formas ideológicas reiteradas, significadas, à exaustão e sem qualquer compromisso com o trabalho crítico. Parece, então, que muita gente não sabe ler, no fm das contas. Quanto a isto, decerto nada há a dizer.