Mari 02/07/2020
A horrível realidade causada por uma sociedade transfóbica
Acho impressionante como nossa maneira de pensar muda drasticamente com o passar dos anos. Se há alguns anos alguém me perguntasse se na minha opinião como mulher cis eu achava que mulheres trans também são mulheres, eu provavelmente diria que não. E eu só fui me tocar disso quando as postagens transfóbicas da escritora J. K. Rowling viralizaram e eu a julguei, mas me lembrei que há alguns anos eu tinha esse mesmo tipo de pensamento preconceituoso. Obrigada Jesus por sempre me dizer pra amar meu próximo, pois isso me fez ter mais empatia e mudar minha maneira de pensar aos pouquinhos.
Por exemplo, enquanto lia esse livro me lembrei de um caso de uma grande amiga minha da escola há uns anos, que acho que foi grande responsável por essa mudança. A rua dela era meio vazia e escura e às vezes algumas mulheres trans trabalhavam ali. Essa minha amiga é uma raridade de pessoa, coração de ouro mesmo. Quando ela voltava pra casa à noite, uns homens vinham seguindo ela, rapidamente aquelas moças cercaram ela e mandaram os homens cair fora. Na boa, se aquelas mulheres não são mulheres, então eu não sei o que diabos é ser mulher, porque só mulheres se unem e protegem umas às outras assim. O que me deixa ainda mais triste ao ver que tantas mulheres cis ainda têm esse pensamento transfóbico que um dia eu também tive. Aquelas moças protegeram minha amiga, mas quem as protege? Quase ninguém e já passou da hora de isso mudar.
Enfim, foi justamente o fato de eu ser essa metamorfose ambulante que me trouxe a esse livro maravilhoso. A escrita da Nana Queiroz é tão extraordinária que parece que a Luísa é nossa amiga e que estamos sentadas conversando. Isso torna o livro muito rápido de ser lido, mas também muito difícil, porque rapidamente acabamos criando um laço com a Luísa e ler ela contando todas as violências, dificuldades e decepções que ela passou dói muito no coração. Por exemplo, no comecinho do livro, quando ela conta sobre a primeira violência sexual que ela sofreu ainda criança, por um homem de confiança da família e a mãe dela não só não a apoia como ainda a agride mais. Na hora tive que parar a leitura pra respirar e fiquei pensando que se fosse minha filha eu ia agarrar ela bem apertadadinho pra ninguém chegar perto dela e só não ia sair de facão na mão atrás do homem pra não deixar ela sozinha. A partir desse momento o sexo nunca mais saiu da vida dela, principalmente o violento. Ainda adolescente ela conseguiu abrigo numa vizinha que a ajudou a se descobrir mulher e foi uma cena tão linda. Porém, logo veio a dificuldade de conseguir emprego, o que a levou à prostituição ainda na adolescência e, depois, ao tráfico sexual internacional. Apesar de trazer tantos temas tão pesados, a narrativa consegue encontrar espaço pra humor, às vezes eu não conseguia me segurar e acabava chorando e rindo ao mesmo tempo.
Acho que esse é um livro que todo mundo devia ler pra entender mais as pessoas, o quanto somos privilegiados por termos escolhas e pra vermos os nossos próprios preconceitos e exterminá-los.