O Garrancho 12/04/2023
Joia da nossa literatura pouco lembrada pelo canône
“Cazuza”, de Viriato Corrêa, veio a público pela primeira vez em 1938, num período em que grandes escritores brasileiros publicavam suas obras-primas – fase conhecida como Romance de 30, conforme nos ensina a historiografia.
Ainda que o cânone não se tenha rendido a essa verdadeira joia da nossa literatura infantojuvenil, há 85 anos incontáveis leitores têm-se emocionado com “Cazuza”, uma narrativa nostálgica que resiste ao passar do tempo.
Talvez, o tom moralizante com o qual o autor frequentemente encerra cada capítulo seja responsável por alguma poeira acumulada aqui e ali na história, fazendo críticos mais arrojados torcerem o seu sensível nariz. De toda maneira, o que o imortal da Academia Brasileira de Letras nos deixou como legado, por meio de seu mais famoso livro, é o registro, embora ficcional, de um Brasil profundo e de uma época em que a infância era vivida em sua plenitude, distante temporalmente dos avanços tecnológicos que tanto empobrecem o ser criança dos nossos dias, limitando as maravilhas tão únicas do “despontar da existência”, como bem adjetivou o poeta Casimiro de Abreu.
Cazuza é um garoto cheio de vida e ávido por aprender, mas seu encanto pela escola logo termina quando suas expectativas são frustradas pela realidade – seu primeiro professor, o velho João Ricardo, é severo e se vale da palmatória ante qualquer suposto deslize ou desatenção.
Tais abomináveis sessões de tortura põem nosso protagonista em sofrimento, prática nada pedagógica que é fortemente criticada pela mãe do menino. Indignada e em lágrimas, ela é peremptória: “– Mas não há necessidade de arrebentar as mãos das crianças”.
A cor local e a linguagem são com certeza pontos altos na leitura.
O interior do Maranhão e a capital, São Luís, são pintados com as tintas do neorrealismo, a despeito de um certo ufanismo, característica comum ao romantismo e também às primeiras décadas do século XX, sobretudo na era Vargas, que se voltou à promoção do nacionalismo.
Além dos costumes locais, Viriato Corrêa retrata, como fizeram muitos escritores naquela década, cenas de racismo explícito, chaga da escravidão que o literato denuncia quando demonstra a preferência dos professores por um menino branco e rico em detrimento de um menino negro, filho de uma lavadeira.
E não para por aí – Corrêa dedica um capítulo inteiro a Luiz Gama, exaltando sua biografia como herói abolicionista.
Você pode estar se questionando, nessa altura da resenha, se vale a pena se dar uma chance e ler “Cazuza”. Sem qualquer exagero, há passagens narrativas que me fizeram chorar. Se você já leu, está lembrado do que faz o protagonista quando seu amigo, o Antonico, revela não ter dinheiro para pagar a entrada no circo? Então, você sabe do que eu estou falando.
Por fim, agradeço imensamente ao querido amigo e colega booktuber Carlos Nunes, do canal Livros e E-books, por ter-me regalado com esse primor. Minha gratidão!
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