Jardim de histórias 06/01/2024
Repleto de ancestralidade neste rio de sangue e lágrimas...
Um livro vigoroso em sua totalidade, com sua narrativa repleta de propensão. O livro é um romance contemporâneo polifônico, narrado sempre em primeira pessoa, com sua história se passando no interior da Bahia. Impressionante a habilidade do autor de nos conectar neste contexto "pós-escravização" e os efeitos de uma colonização etnocêntrica imposta, que ainda percebemos fortemente sua hereditariedade ideológica, com os conceitos econômicos, patriarcais, religiosos e do branqueamento. A história é construída com muita propriedade e brasilidades com influências africanas bem marcantes, que vão conduzir o leitor através da cultura e espiritualidade, de uma forma simples e profunda. O romance inicialmente trará no formato de desenvolvimento, a construção de uma inocência já madura, porém, ainda em formação moral, a felicidade fora da materialidade, os temores, influência capitalista do ponto de vista da classe trabalhadora, que se submete ao trabalho análogo a escravidão, a violência de gênero, o despertar sobre esses aspectos e a dificuldades aliada ao temor de sair desse lugar, dessa condição. Tudo isso, contado com a sutileza perspicaz de quem não quer chocar e sim acender a luz de forma necessária para iluminar nossa consciência, que, por vezes, se torna entorpecida pelas trevas da indiferença. O autor opta por suavizar a triste realidade, propositalmente para tocar levemente o coração do leitor. O livro é polidamente sensorial e também, transcendental, a história aqui contada, nos conecta com o autor e os personagens, trazendo muita sensação tangível, muita emoção e importantes reflexões sobre o nosso papel social, sobre valores, sobre quando começou a escravização, quando acabou, se é que acabou, e suas mazelas? Enquanto houver a indigência, na tentativa de normalizar ou legitimar no contexto social, da já decrépita ideia de influência colonial etnocêntrica, enquanto não houver a consciência de classes, enquanto não houver a consciência de alguns privilégios, autores, poetas, ativistas, ambientalistas, filósofos e humanistas como: Itamar Vieira Junior, Conceição Evaristo, Esmeralda Ribeiro, Grada Kilomba, Silvio Luiz de Almeida, Djamila Ribeiro, Ailton Krenak e muitos outros, serão sempre necessários. Devemos despertar nossa consciência e livrar de uma vez por todas dos grilhões morais, para de fato entendermos o nosso lugar, aprendendo com a história, que deveria ser nossa luz, nosso instrumento de entendimento, de que o mundo pertence a todos e devemos entender a vida de forma igualitária em sua totalidade. Ao autor, gratidão por compartilhar conosco esse livro incrível. Referente à leitura e seus aspectos, podemos entender como ponto fraco que, infelizmente, a narrativa não tocará o coração de quem trata o tema com superficialidade, e enxerga através do prisma do privilégio sem se dar conta, entendendo a obra como uma ferramenta de militância desvalorizando sua grandiosidade. E o ponto forte, é a escrita que te envolve, é a forma profunda, sem ser politizada, sobre um tema histórico, que nos convida a um olhar analítico para origem, se referindo sobre o pilar que construiu a nossa sociedade atual, integrando este livro como referência literária ou um documento necessário para um despertar.