Gabriela 27/02/2017
Uma decepção
1.5 estrela
Fiquei bem desapontada com este livro. Ele é tido como um clássico do século XX, uma obra cheia de lições de vida, etc. Na própria sinopse diz "...consegue ser ao mesmo tempo um romance de aventura, que se lê com febre, e um romance de formação, que transforma.", só que não foi nada disso para mim. Sim, ele é bem escrito, com um estilo que alterna entre os pensamentos do narrador (que não sabemos o nome) e o que está acontecendo a sua volta. Só que é o conteúdo, e não a forma, o que mais me interessa em um livro.
Um homem lendo este livro certamente fica menos irritado do que uma mulher. Isso porque ele é extremamente, repugnantemente machista. Aí o pessoal diz que é para relevar, que é por causa da época em que foi escrito, por causa da época que é retratada, blá blá blá. Sim, eu sei que foi escrito durante a Segunda Guerra Mundial, publicado em 1946 e que se passa em algum ano por volta da Primeira Guerra Mundial. O problema é que não são momentos pontuais em que se fala mal de mulher, é no livro inteiro!
Toda vez que Zorbás abre a boca para falar de algum "causo" da sua vida, tem mulher sendo depreciada no meio. E pior ainda, Zorbás é o mentor, o cara de quem nós deveríamos supostamente absorver a sabedoria. Então, como tolerar esse desrespeito às mulheres quando ele vem travestido de "grande lição de vida"??
Além de aprendermos que as mulheres não passam de criaturas fracas e lamurientas, que outros ensinamentos temos? Primeiro, o grande clichê de que você não precisa de muito (dinheiro) para ser feliz. Hoje em dia, qualquer livro de auto-ajuda que você pegar vai lhe dizer isso, mas mesmo 70 anos atrás isso não era novidade: abra o Novo Testamento em uma página aleatória e você vai ler que os pobres estão mais perto da salvação (que é a felicidade suprema para o cristão).
Depois, a gente chega à verdadeira "aflição existencial" de Zorbás: ele está na crise da terceira idade. Está com 65 anos, mas no seu íntimo se acha um garanhão de 20 e poucos e fica revoltado quando uma prostituta novinha chama-o de "vovô". Sim, o medo da velhice, de deixar de pegar mulher é um tema recorrente no livro, afinal, naquele tempo não existia Viagra. Volta e meia Zorbás se refere ao próprio avô que era atormentado pelo mesmo "drama". Francamente, também não tem nenhuma novidade nisso.
Não entendo como dizem que é um "romance de aventura, que se lê com febre", quando o livro é um marasmo só, sem grandes acontecimentos até a parte final. E maior acontecimento é um crime hediondo contra uma mulher inocente, mas que fica impune, pois Deus os livre do mal que é se indispor com um patrício por conta de uma ninharia como a vida de uma mulher.
Os únicos momentos de questionamento dignos de nota são dois. Um na página 37, quando Zorbás diz:
"É um mistério! Um grande mistério! Então para que a liberdade venha ao mundo são necessários tantos assassinatos e tantas infâmias? Isso porque, se eu me puser a enumerar as infâmias e os assassinatos que cometemos, seus cabelos vão ficar em pé. E, no entanto, qual foi o resultado? A liberdade! Em vez de jogar um raio para nos fulminar, Deus nos dá a liberdade! Não entendo nada!"
O que é um questionamento sobre essas guerras em nome da liberdade. O outro momento é já na página 274 quando ele diz:
"Certa época, eu dizia: 'Esse é turco ou búlgaro, esse é grego.' Pela pátria, andei fazendo coisas de lhe arrepiar os cabelos, patrão; matei, roubei, incendei aldeias, desonrei mulheres, devastei lares... Por quê? Porque eram búlgaros, turcos. [...] agora olho para os homens e digo: 'Esse é um bom homem, aquele é mau.' Não interessa se é búlgaro ou grego, para mim dá no mesmo."
Essa fala continua atual com toda essa crise dos imigrantes que vivemos agora. Pronto, como eu já coloquei aqui essas duas citações, você não precisa passar pelo tormento que é ler este livro para saber delas.
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