Pandora 20/10/2020“Temos que admitir que uma mulher pode pilotar tão bem quanto um homem. As mulheres podem tudo.” Pág. 62
Uma vez, faz uns 15 anos, numa das minhas inúmeras viagens de ônibus entre Santos e São Paulo, sentou-se ao meu lado uma distinta e bela senhora e passamos a conversar. Ela era estrangeira (se não me engano alemã) e engenheira aeronáutica. E me falou do seu espanto ao vir para o Brasil e ver tão poucas mulheres nas áreas das ciências exatas.
A mulher que foi a fonte viva da história deste livro, Irina Rakobolskaya era matemática e física e serviu como chefe de gabinete do 46º Regimento de Aviação de Bombardeiros Noturnos da Guarda Taman das mulheres durante a 2ª Guerra Mundial (ou Grande Guerra Patriótica, como era conhecido na Rússia e outras ex-repúblicas soviéticas o esforço de guerra do país contra a Alemanha nazista e seus aliados).
Assim como ela, mais de 400 mulheres, em sua maioria estudantes entre 17 e 26 anos, foram selecionadas por Marina Raskova, a mais famosa aviadora russa, para compor, na guerra, três unidades só com mulheres: armeiras, mecânicas, navegadoras e pilotas (das três, só a 588 permaneceu até o fim da guerra só com mulheres). Nos treinamentos, alguns instrutores eram homens e elas sentiam a descrença e hostilidade mesmo entre os soviéticos.
“Fizemos um máximo de 325 voos em uma noite e queríamos fazer cada vez mais. Vinte e três mil em toda a guerra. Sim, claro, por patriotismo, mas também porque queríamos superar os homens.”
Aos 96 anos, esta lúcida combatente, ex- vice-comandante do regimento 588, era a última das temidas Nachthexen, as Bruxas da Noite - assim apelidadas pelos alemães -, pois elas sempre atacavam à noite. Sua história e dessas mulheres corajosas que se voluntariaram a ir para a guerra foi contada em sua casa em Moscou, entre chazinhos, tortas e sua coleção de gorros de lã. Presentes além da jornalista e escritora Ritanna Armeni, a intérprete Eleonora Mancini e eventualmente Vladimir Aleksandrovitch, funcionário ministerial que fez a ponte entre Irina e as italianas.
Desacreditadas, com parcos recursos, uniformes improvisados e enfrentando todo o tipo de intempérie, as Bruxas da Noite surpreenderam.
“Deram-nos um avião Po-2. (...) Era um avião com estrutura de madeira, todo feito de compensado, revestido de percal. Na verdade, de gaze. Bastava uma queda para ele pegar fogo: e se reduzia a cinzas ainda no ar, antes de atingir o chão. Como um fósforo. (...) Bem depois, pouco antes do fim da guerra, nos entregaram paraquedas e instalaram uma metralhadora na cabine do navegador, mas antes disso não havia nenhuma arma: eram quatro compartimentos de bomba sob às asas inferiores e pronto. Agora nos chamariam de camicases, talvez fôssemos mesmo. Sim! Éramos! Mas dávamos mais valor à vitória do que às nossas vidas.” (Aleksandra Semiónovna Popova - tenente de guerra, navegadora. Texto extraído do vídeo Mulheres na Guerra - As Bruxas da Noite, do canal do YouTube Leitura ObrigaHISTÓRIA)
E que estrago elas fizeram com esses aviõezinhos, meu povo! Que estrago! Mas com o fim da guerra... Parabéns, camaradas, agora vão cuidar de seus lares e fazer filhinhos para o Estado socialista!
Pena que a História contada pelos homens relegue a maior parte dos feitos femininos à obscuridade; que bom que outras mulheres consertem esses lapsos e tragam à tona histórias como esta!
P.S.: Só senti falta de fotos.
Notas:
1. Kate Quinn, autora de A Rede de Alice, usou a história das Night Witches como pano de fundo de seu romance The Huntress.
2. Em 1981, um longa-metragem soviético chamado Bruxas da Noite no Céu foi dirigido por Evgenia Zhigulenko, que fez parte do Regimento 588.
3. Outras duas produções foram realizadas, uma cancelada e em 2019 o roteiro The Night Witches escrito por Steven Prowse, ganhou nada menos do que 30 competições de roteiro.