Santiago 26/02/2024
Um livro que faz jus ao nome; um ensaio em sua maior magnitude. Do começo ao fim exploramos a mesma questão: "e se, de repente, ficássemos todos cegos?".
Com seriedade e cuidado na escrita, acompanhamos uma epidemia de cegueira, onde, um por um, as pessoas simplesmente ficam cegas. No começo podemos ver como os que ainda enxergam tratam as pessoas que recém cegaram; como são sujeitadas à condições desumanas e intensa exploração.
Mas, e se toda a população cegasse? Quem ficaria responsável pela ordem? Quem cuidaria dos outros? E, o mais importante, até onde as pessoas estão dispostas a chegar em condições tão extremas assim?
Saramago consegue nos guiar majestosamente por esse mundo traiçoeiro com sua escrita pouco convencional. Eu diria até que seus diálogos sem marcações ajudam nessa experiência específica. Se realmente ficássemos cegos, teríamos que nos adaptar a distinguir os falantes apenas por suas vozes.
Não só na escrita ele mostra sua habilidade, mas também no narrador. Temos uma voz cheia de valores e que mostra julgamento, sempre com um tom sarcástico para mostrar como o orgulho do homem pode ser rapidamente ferido e sua verdadeira face exposta (seja ela boa ou má).
E é nessa exposição do ser humano que o livro trabalha em cima. A cegueira não é apenas a perda de visão, mas sim da própria humanidade; do espírito. As pessoas se cegaram das emoções, dos sentimentos e da razão. Podemos ver, durante todo o livro, a degradação do ser humano, sendo perdida a mente, a empatia e até o próprio corpo.
E isso nos faz pensar: será que não já estamos todos cegos nesse mundo em que vivemos? O livro nos mostra um mundo exagerado, sim, mas completamente fundamentado no nosso próprio. Já vivemos em uma sociedade que se aproveita dos outros. Se descuidar e cair de cabeça nesse caos é possível. Será que já não somos todos assim?
Esse incrível livro é muito impactante mas também muito pesado. Não posso recomendar para os mais fracos de estômago mas, para todos os outros, é uma leitura obrigatória.
E, nas palavras de Saramago, "[...] o instinto serve melhor os animais do que a razão serve o homem."