lenaeria 06/08/2024
Suguru's voice: Você é cego porque não vê ou não vê porque é cego?
Não existem limites para a maldade humana, nem mesmo numa situação em que todos estão limitados pela mesma dificuldade. A sede por poder e controle ainda é a mesma, e a morte e o medo ainda se esgueiram pelas janelas e por trás das portas como sempre foi. A diferença, é que agora não se pode vê-los.
"Ensaio sobre a cegueira" é classificado como romance, por mais que eu queira o definir como terror. É doloroso, angustiante, e até cruel. O enredo leva os personagens a situações extremas e desumanas, que não são nem mesmo desejáveis aos seus piores inimigos. E a constante sensação de incerteza torna a leitura nebulosa e, ao mesmo tempo, intrigante e envolvente da sua maneira.
Minha crítica inicial é focada na formatação do texto, que foi exatamente o que me afastou completamente da imersão no cenário; até pareceu que eu estava cega junto aos personagens. Não existe nenhuma separação de parágrafos de fala, ação, pensamentos e etc., então é preciso se guiar pelas vírgulas e letras maiúsculas e tentar adivinhar onde cada coisa começa e onde termina para conseguir (ou tentar) entender.
Alguns pontos que achei interessantes: os personagens não tem nomes próprios, sendo identificados de forma bem superficial, e acho que escolha casou muito bem com a trama. Além disso, toda a história tem começo, meio e fim. Não é nada complicado de se entender e na verdade é muito boa, mas foi justamente a formatação que me fez ter dores de cabeça e enrolar por meses para finalmente acabar. O final é muito bom, não vou negar. Até acabei me emocionando, e foi uma conclusão certeira e sem enrolações. Também há bastante espaço para reflexões acerca da nossa própria cegueira, mesmo quando conseguimos "ver": “as respostas não vêm sempre que são precisas, e mesmo sucede muitas vezes que ter de ficar simplesmente à espera delas é a única resposta possível.”; "Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem."; "Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."
Deixo avisado que a escrita é explícita nas cenas de violência. Isso é um ponto positivo para algumas pessoas, mas para mim poderia ter sido cortado e não faria diferença no desenrolar da história.
No geral, mesmo achando bom, não recomendaria, principalmente para quem gosta de leituras fluidas. Acredito que se ele fosse formatado como um livro normal, tornaria tudo mais fácil. Talvez minha nota aumentasse em meia estrela, mas não é garantia.