Mark 14/01/2024
Meninos que romperam a fina e frágil película que os separava enquanto pessoas para dar as mãos e de mãos dadas permaneceram até o fim.
Hoje quero compartilhar convosco minhas impressões obtidas durante a releitura desta obra tão delicada e ao mesmo tempo tão dolorosa que é "O menino do Pijama Listrado", do escritor irlandês John Boyne.
Este livro chegou em meu caminho durante uma fase muito difícil de minha vida, na qual vivi dores amargas e, para contornar toda angústia, foi justamente no período da Pandemia do Covid-19. Me recordo que naquele período me sentia tal qual um prisioneiro em minha própria casa e a aflição me tomava a cada nova notícia que ouvia sobre o estado do mundo naqueles dias. Decidi então investir meu tempo em leituras e na aquisição de novos livros para ocupar minha mente, me distrair um pouco e tentar fugir de meus dilemas, e neste processo cheguei ao referido livro.
Minha primeira leitura desta obra, nos intermédios de 2020 a 2021 (confesso não me recordar com plena convicção o ano) foi mergulhada em surpresas, pois esperava um livro de escrita dura, carregada por angústias e, principalmente, que fosse um livro doloroso do começo ao fim, assim como me foi a leitura do "Diário de Anne Frank". No entanto, me surpreendi ao me deparar com uma história que, embora aborde uma temática infeliz, miserável e angustiante, nos envolve de uma maneira que imergimos nas cenas se somos balançados entre a amargura do holocausto e a leveza da inocência de uma criança.
Em minha perspectiva, a principal beleza do livro está neste jogo de contrastes, entre a inocência e leveza que o Bruno tem, não sendo ele dotado das visões desumanas e desgraçadas de seu pai (espelho do partido nazista) e nos faz observar, por uma lente um pouco mais ofuscada, a inocência do Shmuel - o menino do pijama listrado - ao não compreender ao certo o que está acontecendo e nem os motivos que levam seu povo - judeus - a sofrerem aquelas lástimas.
Bruno, em sua realidade, filho de um importante militar, que cresceu regado à luxos e conforto, agora se depara com a solidão e angústia de morar ao lado de um dos campos de concentração, embora ele sequer saiba o significado daquele campo que observa por sua janela. É então nesta inquietação, no vazio dos dias, sem amigos, sem crianças com quem brincar, que Bruno decide sair para explorar a área e por acaso do destino encontra com Shmuel, surgindo assim uma repetição diária de encontros por mais de um ano, o que os encaminha a uma amizade sincera e dócil.
Duas crianças que não entendem bem o que está acontecendo, mas que desenvolvem um sentimento sincero de amizade e que rompe com a película fina e miserável que os separa enquanto pessoas.
Para mim, esta foi a principal beleza do livro, mostrar que, ainda dotados da inocência, aqueles dois meninos não viam entre si diferenças, a tal ponto de se acharem parecidos, no entanto, tendo suas mãos, uma "só ossos" e outra "gordinha" como a representação desta diferença entre eles, pois fora isto, os dois se veem sem nenhuma distinção entre si.
Além da amizade entre os dois jovenzinhos de nove anos, nascidos no mesmo dia, mas com destinos de vida tão distintos, o livro também aborda um pouco da realidade daqueles que se opunham ao sistema - assim eufemicamente chamemos aquela desgraça desumana - como por exemplo no caso da avó paterna do Bruno, que nunca aceitou o filho seguir tais passos da jornada militar, o que por sua vez gerou um profunda cisão no seio familiar, bem como o pai de um dos militares que vivia na casa do Bruno, que tendo ele abandonado o país, despertou no pai do Bruno, e superior do militar em questão, o sentimento de indignação, acusando-o de abandono à pátria.
Um ponto que, embora não seja primordial na história do livro, me deixou de certo modo atento aos próximos passos, foi a íntima amizade do militar, tão jovem e promissor, com a irmã do Bruno - esta apaixonada por ele - e, especialmente sua mãe. No início da releitura do livro eu não me recordava deste trecho, e creio que na primeira vez que o li posso não ter dado muita atenção e por isto a lembrança se perdeu em algum dos baús da mente. Perceber que o, até então, braço direito - chamemos-lhe assim - do pai do Bruno, na verdade se tornou amante da mãe do garoto, fato este que se comprova já nos capítulos finais do livro. Este ponto, claro que representando apenas um grão de café em toda saca da história, ainda assim foi algo que me chamou a atenção.
Findando aqui minhas considerações, deixo o comentário de que o desfecho do livro, assim como na primeira vez que o li, me deixou sem fôlego e expressões que descrevam meus sentimentos, pois, embora a história caminhe a passos largos para tal destino, algo em mim ainda recusava-se a crer que pudesse acontecer. No entanto, o quase que inevitável fim trágico daquela amizade e também dos personagens de deu.
Se deu por dois fatores, sendo o primeiro - e impossível de não ser mencionado - a crueldade humana em escrever um capítulo tão tenebroso na história da humanidade - capítulo real e não fictício - e por segundo fator, interpreto que a inocência de dois meninos, meninos puros, meninos lavados de qualquer impureza em sua índole.
Meninos que romperam a fina e frágil película que os separava enquanto pessoas para dar as mãos e de mãos dadas permaneceram até o fim.
Este livro me arrancou lágrimas ao terminar a história e me arranca lágrimas ao escrever este relato de leitura.