Bruna Moraes 27/05/2024
Nascido do Crime - Trevor Noah
Trevor Noah, comediante sul-africano, apresenta em sua autobiografia como foi nascer em um país majoritariamente negro, durante o período do apartheid, momento este que era considerado crime qualquer relação inter-racial, entre negros e brancos, e foi justamente dessa relação que ele nasceu. Sua pele um pouco mais clara não o permitia ser considerado branco, por razões óbvias, e nem considerado negro pelos próprios negros, mas no meio do caminho tinha os “coloured”, mas ele não se sentia parte daquela cultura, sua ancestralidade vinha dos povos nativos xhosa, conhecidos por serem pensadores.
Como se reinventar para superar os infortúnios da vida, tendo ainda nascido em uma região extremamente pobre, filho de uma mãe bastante religiosa e de um pai ausente (não pelas suas próprias escolhas)?. Ao longo de sua trajetória passou por inúmeros desafios, a dificuldade em se relacionar, conseguir um emprego digno, além das poucas oportunidades, mas Trevor Noah driblou o sistema e se tornou quem é hoje, desde sempre sabia aonde queria chegar e de fato conseguiu. Sua história traz um relato sincero, doloroso e real, mas com muito bom humor.
O autor, Trevor Noah, além de trazer relatos sobre a sua história, trouxe também a sua versão de como foi viver durante o apartheid, como essa segregação funcionava e o que trouxe de consequências para sua vida e de toda aquela sociedade, que foram “separados pelo ódio” fruto de uma exploração colonial de britânicos e africânderes. Sua principal finalidade era manter a população negra sob controle, restringindo seus horários de sair a noite, os lugares que poderia frequentar, os transportes que poderia utilizar, a educação que poderia receber, enfim, vivia-se sob um estado de vigilância total, para gerar uma segurança para os brancos, em detrimento da marginalização da mão de obra negra, suas nações não foram separadas apenas fisicamente, mas linguisticamente também, o que fortaleceu o sistema da época.
Contudo, apesar do que viveu e de como sobreviveu, Trevor teve uma mãe que o criou como se fosse uma “criança branca”, o permitindo ter esperança e incentivando seus sonhos, não queria que seu mundo fosse restrito a vivência do gueto, dentro de suas limitações econômicas fez o possível por ele e sua família. Ela foi a personificação do significado de força e coragem, até dentro do relacionamento abusivo com o seu padrasto ela tinha voz, uma mulher muito afrente do seu tempo, que soube a hora de sair da própria família sanguessuga para construir a própria, ter um filho para ela era ser aceita na sociedade, era ter algo para amar e amá-la de volta.
A narrativa é o relato de toda uma vida, o dia a dia de uma criança, as dificuldades e as aventuras de um adolescente, as conquistas e perdas de uma vida adulta, uma vivência normal, mas marcada pela discriminação de ter a cor da pele diferente da socialmente aceita. É impossível não sentir as dores, os medos, as frustações, a solidão do autor, é um livro intenso, real e contado com aquele humor que só um comediante é capaz de fazer, achar graça da sua própria (des)graça.
“Você não é dono daquilo que ama”.