Amélia Galvão 27/03/2020Terminei a leitura sem saber o que sentia. Ela fluiu bem e também me deixava com vontade de estar lendo, apesar de contraditoriamente me questionar sobre o propósito dela enquanto a realizava. Só agora, depois que escrevi esse texto, é que começo a perceber o quanto gostei do livro, o qual tem como foco a linguagem e como ela afeta as nossas relações, sendo bastante reflexivo e poético.
A história é narrada por Adam, um jovem poeta americano, filho de pais carinhosos, com uma boa condição financeira e que está morando em Madri porque ganhou uma prestigiada bolsa de estudos. Por ser a narração em primeira pessoa, as personagens são retratadas pela subjetividade dele, então, em regra, não sabemos o que elas realmente pensam/sentem, mas apenas o que ele ACHA que elas pensam/sentem.
Adam também é autocentrado por sofrer da síndrome do impostor. Usualmente foca no que falará e não presta atenção no que o outro está dizendo, pois vive uma paranoia em manter uma imagem que julga condizente com o seu status de poeta. Esse comportamento impede o aprofundamento das outras personagens e tem imediata relação com a maneira como ele utiliza a linguagem. Ele se enxerga como um falso poeta que pode ser desmascarado a qualquer momento e acredita que a sua vida e seus relacionamentos na Espanha são uma farsa. Sente-se falso e vazio, inapto a conexões emocionais e interpretando um papel. Isso o torna ansioso, desconectado de si mesmo e do mundo e é a principal causa do seu jeito autocentrado, pois precisa, a todo momento, controlar suas falas e atitudes para não ser desmascarado. Também é por isso que ele toma várias atitudes que desaprovamos ao longo da história.
Acredito que esse comportamento deve ter origem em inseguranças e também no seu desejo de ter experiências e de escrever num grau impossível de autenticidade, em que tudo o que não for puramente inédito não seria autêntico. Por se cobrar esse parâmetro inalcançável, começa a sentir que vive uma farsa. Também acho que isso gera uma fuga da realidade, pois se tudo é fingimento, não há que se preocupar com as consequências dos seus atos. Isso pode ser uma dificuldade de assumir mais responsabilidades e de enfrentar suas escolhas.
Mas, o mais prazeroso para mim nesta leitura foram os questionamentos e reflexões sobre a linguagem nas nossas relações. Como ela pode nos aproximar ou afastar; como as palavras são plurais, podendo significar coisas diversas a depender das experiências de cada um; como é complexo o processo de comunicação; e como pode afetar nossa vida, quem somos, o que sentimos e nossas relações.
Adam utiliza a linguagem como aliada para não ser desmascarado e também para se conectar com os outros. Ele se aproveita da subjetividade própria a ela e elabora frases com várias interpretações possíveis. Acredita que assim concederá ares de profundidade ao que disse, pois o outro terá uma sensação de que há algum conhecimento implícito e será forçado a dar conteúdo ao que escutou. Em outros momentos, utilizará essa subjetividade e a sua falta de fluência no espanhol como uma forma de se conectar, pois sente que as lacunas e os silêncios gerados nesses processos fazem com que o outro se conecte a ele no momento em que os preenche com as suas próprias experiências: “a interação mais intensa e inegavelmente mais íntima acontecia quando ela permeava meus silêncios, meu espanhol lacunar, de uma formidável força intelectual e estética.” (p. 57).
Finalmente, confesso, sem ter parado para refletir por quê, que a desconexão do Adam me lembrou vagamente ao Watanabe do Norwegian Wood, e que também vieram a minha mente outros livros com reflexões afins. Isso foi o que senti e um pouco do que a leitura me fez refletir, mas sabemos que somos plurais e os livros nos afetam de maneiras diversas. Espero que essa leitura também possa lhe trazer boas experiências.