hlvrcralc 14/09/2023
A mente de um pedófilo (e uma escrita péssima)
O livro inteiro é extremamente detalhista e muitas vezes isso o torna maçante, pois é repleto de descrições desnecessárias.
a linguagem é levemente complicada, apesar ser considerada bonita por alguns (a elegância de suas palavras suaviza as atrocidades). achei uma leitura bastante cansativa, até mesmo pelas inúmeras frases em francês sem tradução, que estiveram presentes do início ao fim do livro. terminei por obrigação, então, no geral, não foi uma boa experiência.
para uma análise psicanalista sobre esse tipo de comportamento, é uma boa ferramenta, até por que é possível enxergar diagnósticos no H. H., alguns momentos de mecanismos de defesa (até mesmo por si próprio, sempre tentando justificar o próprio prazer com outras culturas e partes do mundo, tentando tornar sua condição aceitável). inclusive, muitas vezes, ele mesmo chega a se autoanalisar, relatando sonhos metafóricos (como quando Dolores aparece como Valeria ou Charlotte) e se questionando sobre a origem desse prazer: se é algo inato ou advindo do trauma com a perda do primeiro amor. próximo ao final, podemos sentir até mesmo pena ou compaixão da situação crítica em que ele chega. mas eu, ao longo da leitura, particularmente, não consegui me conectar com ele.
é notório que o H. H. tem noção da própria condição, a grande questão nesse livro não é nem um pouco escondida. ele busca pela satisfação por meio de formas ?menos inaceitáveis? e nocivas para as outras pessoas, apesar de ter, sim, chegado ao ponto de dopar a esposa e a própria Dolores para conquistá-la. é nítido que ele não gostaria de provocar mal à Dolores, mas a todo momento se mostra extremamente manipulador e obcecado cada vez mais, idealizando, planejando e manipulando ações para o próprio deleite. ao longo do tempo, ele se mostra cada vez mais cruel, chegando até mesmo a cogitar a ideia de ter uma filha com a Dolores para que ele passe a abusar dela quando fizer 8 anos (e neta, posteriormente). é justamente essa obsessão alimentada cada vez mais que o leva à julgamento (que o leitor pode pensar, inicialmente, ser pelo que ele fez com Dolores, mas não). gradualmente, ele se mostra cada vez mais definhado na própria obsessão. H. H. chega ao ponto de cometer um homicídio, e o livro inteiro é uma carta em que ele relata todas as circunstâncias que o fizeram chegar até ali, o que nos levanta questões sobre quem ele assassinou durante a leitura.
como já vi comentado antes, o H. H. não é nem um pouco confiável. em diversos momentos, a realidade se confunde com as próprias ilusões e desejos dele. confesso que foi um pouco difícil separar as duas coisas em alguns momentos, já que a realidade é descrita do ponto de vista dele, que muitas vezes contém delírios, alucinações e frutos do alcoolismo. o H. H. chega a acusar infidelidade da Dolores, acreditando que eles realmente têm um relacionamento. ele descreve sedução por parte dela quando evidentemente ela está se comportando como uma criança inocente sem culpa de absolutamente nada que lhe ocorre. conseguimos captar sua inocência por que ela é descrita pelo Humbert, mas como algo pelo qual ele se atrai. segundo H. H., Dolores que investiu sexualmente primeiro, Dolores que ameaça entregar às autoridades, Dolores que teima, insiste e seduz, Dolores é uma criança má e tudo que ele lhe fez e deu foi por amor. ao leitor analítico, a dissimulação é nítida. abuso, privação de liberdade, ciúme doentio. são muitas questões que esse livro levanta.
Dolores é uma criança que perde a mãe, última família que lhe restava, passa a sofrer abusos e chantagens por parte do H. H. e tudo que ela vive nesse tempo faz com que ela perca a infância, relatando até mesmo experiências consequentes da sexualização precoce com outras crianças por conta dos abusos.
após o posfácio, essa edição tem uma ótima análise por Martin Amis. vale a pena ler a resenha dele e se permitir enxergar outros pontos de vista, como o narcisismo do H. H. e o sadismo (comparando a violência física às ex esposas com os diversos tipos de abusos à Dolores).
a verdade é que essa história precisa ser lida com olhar crítico analítico, não romantizado, e pede por uma versão protagonizada pela Dolores (e que essa tenha uma escrita bem melhor).
edit: assisti o filme de 97 e oq eu tenho a dizer é que ele é relativamente completo e fiel ao livro, e isso significa ser fiel à visão do Humbert, o que torna a história extremamente romantizada e trata o Humbert como um coitado. de fato, colocaram uma atriz bem mais velha e desenvolvida no papel de Lolita. achei que no início, as relações foram bem mal construídas e as coisas acabaram avançando rápido demais, claro, sempre bem menos detalhado do que no livro.