Caio.Silas 04/11/2023
O rei está nu!
Estranho é também que os leitores se façam de cínicos em relação à leitura. Não digo assim querendo invocar o menor moralismo, muito pelo contrário. Todo mundo sabe que situações assim existem e que são recorrentes, e não vou fazer aqui juízos de valor moral em se tratando de uma obra ficcional. O meu ponto é que não me surpreendo com qualquer grandeza ou território inexplorado nessa leitura. Atração sexual é fisiológica e, embora em quantidade menor, sempre houve quem se sentisse atraído por meninos e meninas pré-púberes. A psicologia deve definir como um distúrbio, criminoso aliás, mas estou certo de que não haja 10% dos floreios aplicados por Nabokov nessa pulsão, floreios esses tão forçados que soam incômodos - não por tentar adornar uma prática obscena e proibida, mas porque soam exagerados em sua irrealidade.
Também não me impacta a "malícia" sexual de uma criança. Acho que as pessoas lutaram para se esquecer de que um pouco antes da puberdade a noção de atração e de prazer já se vai construindo. Quantas vezes durante a minha infância eu ouvi meus amigos entre 8 e 12 anos falarem as maiores obscenidades sexuais. Quantas vezes eu não ouvi minhas coleguinhas dizerem gostar de algum menininho e querer namorar com ele.
São resquícios de nossa fisiologia que se vão formando, mas que as crianças ainda mal compreendem e que lhes devem, acima de tudo pela família, ser esclarecidos e instruídos, de modo a que não se realizem de maneira precoce e indevida.
Entretanto, o que se vê aqui é uma narrativa que se pretende realista e que se perde na apologia ridícula de uma condição deplorável. Não se encontra aqui o drama de um homem que carrega uma veleidade, mas o esforço de um sujeito por romantizá-la com uma retórica pomposa e muito chata; não se encontra aqui personagens marcantes, a ex-mulher de Humbert é uma caricatura deplorável, seu amante também, a mãe de Lolita idem. Se comparo as personagens de um romancista como Tolstói (a quem Nabokov mais admirava) às de Lolita sinto vergonha. Finalmente, a narrativa soa confusa e prolixa para qualquer que leia o texto sem o filtro das ideias pré-concebidas.
É preciso recorrer novamente àquela velha metáfora da nudez do rei, porque aqui ela se aplica muito bem. Em todo caso, quem sou eu para apequenar Nabokov? Ele continuará sendo ícone, e a sua "obra-prima", exaltada, até mesmo por aqueles que jamais a leram.