livrosdagabs 17/08/2020A expectativa é a mãe da roubadaA palavra aqui é expectativa, a grande vilã da história. Eu esperei bastante do livro, e... bom. É.
Quando a gente descobre o que gosta e lê bastante, é como se desenvolvesse um sexto sentido, e de longe você é capaz de saber o que vai funcionar e o que não vai. Quando abri o livro e li o primeiro parágrafo, já sabia que não leria nada revolucionário nem compatível com a expectativa que eu criei. Certo, acontece, tudo bem, vamos lá.
E então... é. Oxana é uma jovem universitária que foi presa por triplo homicídio, até que é resgatada por um homem misterioso, do qual só sabe o nome, que lhe oferece a liberdade desde que ela aceite trabalhar para ele e seus misteriosos, invisíveis e quase inexistentes empregadores. Ela receberá uma vida de luxo e todo treinamento necessário para, sendo objetiva, matar gente rica e influente de forma limpa e discreta. Enquanto isso, Eve é uma agente inteligente, mas mais ou menos importante, num departamento importante mas não tanto. É casada com um professor de matemática polonês bem interessante, até, e nas noites de folga os dois jogam cartas com um monte de idosos. A vida das se cruza quando Oxana - agora Villanelle - mata um homem importante que estava sob proteção de Eve.
O enredo não é ruim, muito pelo contrário. Vimos na série que funciona. O problema aqui, no entanto, é o desenvolvimento. Mas vamos por partes.
Os personagens são rasos, flertam com o clichê o tempo todo e são praticamente desprovidos de motivações. E isso podemos dizer apenas de Villanelle e Eve, porque os demais não aparecem por tempo suficiente para que formemos uma opinião dessas. Villanelle é uma máquina de transar e matar, o que ficou claro na primeira das duzentos vezes em que o tema foi abordado no livro, em um punhado de cenas completamente sem propósito, sem nexo, sentido ou que ao menos contribuam para a formação da personagem em si, porque são mal construídas, dando a impressão de que estão ali para chocar ou agradar sexualmente possíveis leitores - homens. Essa ?personalidade? não se embasa de forma alguma no fato de ela ser uma psicopata desprovida de sentimentos, afinal, temos inúmeros outros psicopatas que são igualmente frios e que ainda assim são críveis e nos conquistam, à exemplo de Hannibal, Dexter.
Em contrapartida, Eve se mostrou um pouco melhor. Mesmo usando uma fórmula clichê - agente inteligente com talentos desperdiçados pela Força, cheia de intuição e que vai até o fim, colocando sua vida pessoal de lado e a própria vida em risco - ainda falta muito para que ela de fato me convença de algo, mas foi quase lá. No início, o que mais me agradou foi a relação dela com Niko, que me pareceu diferente de tudo até então, e achei que ele realmente entendesse e aceitasse o trabalho dela e suas complicações adjacentes. Depois isso começou a me irritar, porque o casamento seguiu como a maioria e ele começou a reclamar. (Um parêntese aqui: a psicopata que supostamente não gosta de sexo transa o livro todo com falas saídas de filme pornô barato, e os casados não transam uma única vez?) Por fim, a necessidade de ir atrás de Villanelle adquire o status de obsessão muito rápido, com uma justificativa infundada - supostamente custou o emprego de Eve, mas isso nunca é de fato abordado - e que nem combina com o pouco da personalidade que nós é apresentada. Somente após os eventos de Shanghai é que realmente faz sentido que ela a cace com tanto afinco.
Gostaria de ter visto melhor desenvolvimento e mais espaço de outros personagens, como Simon, Niko, Konstantin, Laura, entre outros, que em alguns momentos foram praticamente apenas citados.
Finalmente, então, o enredo. Eu não me importo que a narrativa seja objetiva, não muito descritiva e que o autor vá direto ao que importa. Mas quanto menos página, menos espaço para desenvolvimento. Isso, na minha visão, prejudicou MUITO a história. Além dos problemas imensos com os personagens como dito acima, o enredo em si caminha numa corda muito bamba. O passado de Villanelle deveria ser bem explorado, em minha opinião, para então sustentar aquilo que ela é hoje, o que não sinto que tenha sido feito. Foi como se houvesse certa pressa em explicar, sem aprofundamento, e eu me peguei várias vezes pensando se eu havia perdido alguma coisa. Tudo bem. Como já mencionei, excessivas cenas de sexo, lésbico, inclusive - aliás, o autor definitivamente precisa analisar qual seu problema com sexo lésbico e armas, ele parece um adolescente??? - que não influenciam em nada na história, não contribuem para o desenvolvimento da personagem, não somam em absolutamente nada. Essas cenas poderiam simplesmente desaparecer e ele teria boas páginas para trabalhar com coisas mais úteis. As partes que tinham enorme potencial, as diplomáticas, foram todas corridas e breves, sendo que poderiam agregar muito ao contexto, visto que é nisso em que o livro se baseia - espionagem, diplomacia, conflitos políticos. Havia material e potencial.
Bem, chegando ao fim, nas últimas vinte páginas, devo admitir que melhora consideravelmente, o que é uma pena, porque o final em si deixa muito a desejar, e fica ainda pior com esse contraste. Apesar de deixar pontas soltas para os próximos livros, achei os ganchos ruins e secos, forçados, porque poderiam ter sido resolvidos facilmente num mesmo livro sem perda ou prejuízo algum à história.