spoiler visualizar_Alicinhah 03/05/2023
Na falta de um diário, escrevo resenhas sobre experiências literárias que ressoam em mim. Edição de hoje: Nicola Wolf, Cidades pequenas e a coragem de ser quem se é.
Preciso confessar que, nos primeiros capítulos, achei tudo muito chato. Talvez seja porque odeio frio e tentar me imaginar em Salt fosse desesperador, talvez porque estava tentando superar uma ressaca literária daquelas e tudo que tentava ler parecia mais do mesmo e zero interessante. Mas, a medida que a história avançava, pude entender algo que Nicola só menciona no final do livro: assim como o seu amor por Aster, que surgiu sem que ela percebesse e parecia sempre ter estado lá, meu gosto por esta história também foi crescendo sem ver, até tornar-se incapaz de ignorar.
Me pegava procurando momentos no dia para conseguir pegar o kindle e ler, nem que fossem algumas poucas linhas, me pegava pensando em Aster e Nicola e remoendo as últimas coisas que havia lido. O frio de Salt deixou de ser incômodo e passei a, facilmente, imaginar como seria morar naquele lugar.
Mais do que me reconhecer nos momentos em que Nicola reflete sobre sua sexualidade e suas relações familiares, me reconheci na cidade. Morar em cidade pequena é uma experiência que só aqueles que vivem conseguem compreender, e, em todos os momentos em que Nicola pensava nisso era fácil entender e concordar com suas decisões. Não foram poucas as vezes em que pensei nos lugares mais seguros para beijar os lábios de uma outra mulher (é estranho colocar isso em palavras) sem que isso pudesse chegar aos ouvidos de minha mãe. Quando Kendra e Nicola se beijam na festa, senti como se eu mesma houvesse me desprendido das amarras e beijado a menina que eu gosto™ no meio de todas as pessoas que conheço, quando ela pensa no risco de que sua mãe ouvisse as fofocas, lembrei o porquê nunca beijei ninguém. Quando ela e Aster passam a andar juntas e se beijam na saída da costureira, sem que Nicola sequer lembre dos fofoqueiros de plantão, me senti radiante. Nós, meninas sáficas de cidades pequenas, temos que nos apoiar.
Nicola Wolf é, sem dúvidas, a personagem com quem eu mais me identifiquei em toda narrativa. E, reconheço, talvez essa não seja a melhor e mais saudável coisa a se falar. Mas, pelo menos, eu faço terapia. Nos primeiros momentos estive irritada com o jeito certinho dela (meu), porque, ao contrário de Nicola, eu sempre quis ser um pouco como Aster, destemida, corajosa e "selvagem". Mas, página a página, fui me reconhecendo no estilo, no humor e, principalmente, na enorme quantidade de coisas que se escondiam por baixo da superfície.
Minha família não se parece em nada com a família Wolf (ainda bem!!!), mas temos um ideal de perfeição, que atinge a todos os filhos e netos de minha avó, que beira o bizarro. Me reconheci em Nicola nas tentativas de não dar trabalho, de tentar fazer com que os mais novos não sintam tanto a pressão do que é crescer nessa realidade, e no anseio de tentar encontrar reconhecimento nos mais velhos, que, mais do que ninguém, entendem o que é viver como um de nós. Na prática de manter tudo esteticamente perfeito para diminuir a bagunça que reverbera aqui dentro.
Amei que praticamente todos em Salt são negros, que Nicola e Aster, duas meninas negras, se amam, e que este ponto não é central na história; ela não acontecem mediante a negritude deles, este fato é, e a história acontece, assim como acontece na vida fora da literatura.
Garret cox me despertou uma raiva e nojo que a muito não sentia. Quis pôr Nicola no colo e prometer que tudo ficaria bem em diversas partes da história e, em vários momentos, me peguei pensando em como tudo aquilo era tão injusto e no tanto de situações controversas que nos colocamos pelo amor que achamos que merecemos. Foi bonito ver o quanto Aster representou a liberdade de muitas coisa que prendiam Nicola não somente na heterossexualidade compulsória, mas em tudo o que ela entendia como amor. A evolução de Nicola foi só dela, é certo, mas a presença de Aster, certamente, segurou as mãos dela nessa subida.
No fim, foi tudo o que mais amo, uma história sáfica, com representatividade negra, enemies to lovers e sem enrolação. Dei 4,5 somente por causa da empacada do começo, mas, certamente, será um dos melhores do ano.