spoiler visualizarnanda :) 17/12/2023
Os Supridores: “Breaking Bad” but make it Brazilian (and, therefore, good)
“Evidentemente, a história da promoção a chefe de loja não passava de conversa para boi dormir: uma notícia falsa dada da maneira mais deslavada pelo filho, e recebida como verídica da maneira mais inocente pela mãe. Mas, afinal, quando foi que brotou alguma felicidade, por menor que fosse, num coração conhecedor dos fatos em toda sua profundeza? Quando foi que houve alegria, senão alimentada por completas mentiras ou verdades desfalcadas? Sempre que a realidade mete o pé na porta, não há sorriso que não trate de escapulir pela janela. Todo felizardo é, antes de mais nada, um iludido.”
Encontrei esse livro na biblioteca da minha escola. A lombada vermelha dele me atraiu, a sinopse me prendeu, e a história me arrematou de vez.
Essa história é muito boa. Apesar de ter uma estrutura simples, o autor fez, com os detalhes, uma narrativa indescritível. Assim que você abre o livro, você sabe que o esquema vai dar certo no início, e depois vai desandar; basta você descobrir como isso irá acontecer. E é com isso que o autor conta, pois ele desenvolve esse “como” majestosamente.
E, mesmo contando com isso, o autor conseguiu me surpreender. Os estopins para o caos, o motivo para fazer o grupo agir, sério, são maravilhosos. A medida que a história segue, ela vai acelerando, ficando cada vez mais difícil soltar o livro. A história só melhora, e o final é simplesmente perfeito.
Gostei demais da ambientação em Porto Alegre que o autor fez. A princípio, a quantidade de detalhes, com os nomes das ruas e topografia chega a incomodar, já que não conheço o local, mas, com o prosseguir da história e, principalmente, com o final, quando descobrimos que o Pedro escreveu a história, percebemos que é uma descrição de alguém que conhece o local, que é apaixonado por aquela cidade e sabe todos os seus cantinhos.
Além disso, esse livro é inteiramente brasileiro. Desde a linguagem, com as expressões e coloquialismos, até aos lugares e os eventos. Não é um livro estrangeiro escrito em português, é um livro sobre o Brasil, com a imagem do Brasil estampada no papel.
E acho que esse fato faz muito sentido com a narrativa, principalmente com o Pedro. Eu fiquei apaixonada pela forma que o autor desenvolveu esse personagem, como as suas visões crescem na narrativa e como seus pensamentos são descrevidos. Pedro é o “cabeça” do esquema, mas é óbvio que ele é tão inexperiente quanto seus companheiros, e ele tem apenas a sua razão como norte. Ele é um jovem, com sonhos de faculdade e de ser alguém, e essa parte dele dialogou muito comigo. Ele me lembrou muito o Chavoso da USP, e, até agora, eu o imagino assim.
E, mesmo gostando mais do Pedro, eu ainda tenho grande aprecio pelo Marques. É mais difícil para mim se relacionar com ele, porque é um pai de família e obviamente não tem as mesmas ambições que o Pedro. Marques é um personagem genuinamente brasileiro, que nasceu na favela, e desde pequeno aprendeu a se virar. Gostei demais de seu desenvolvimento, como ele conseguiu crescer, e gostaria de saber se, no fim, deu tudo certo para ele.
Digo isso para todos os personagens que participaram do esquema, desde o Chokito até a esposa de Marques. Ao longo da narrativa, os personagens te cativam, com seu jeito único e franco de falar. Gostei muito de todos eles, como todos estão ligados, e como as peças do esquema caem como dominós quando um dos pilares fraqueja. Mostra que aquilo não era uma facção criminosa perigosa ou algo assim; eram pessoas atrás de melhores condições de vida.
Aliás, essa temática, a busca por melhores condições de vida, ronda o livro inteiro. Vemos isso principalmente nas falas do Pedro sobre o tema, enquanto ele tenta convencer o Marques a entrar no negócio. A forma com que o trabalhar e o ganhar dinheiro são abordados nessa história me deixou boquiaberta, como se o autor tivesse aberto meu crânio, pegado um emaranhado de neurônios bagunçados, e tivesse organizado em falas de mais de uma página. Morri de vontade de passar um marca-texto por todos esses trechos, mas, por ser um livro da biblioteca, não pude.
Apesar de ter lido esse livro a um tempo, ele ainda é muito vivo na minha memória. Admito, o início dele é meio enrolado, e dá um pouco de vontade de desistir, mas depois da página 50, a história engata e só melhora. José Falero se torna preciso em seu ritmo, em sua escrita, e esse livro se torna maravilhoso.
Creio que não dei cinco estrelas para essa história justamente por causa de seu início enrolado e o fato que a temática de drogas nunca me agrada 100% (traumas com Breaking Bad). Tirando isso, essa história me impressionou demais; achava que seria um livro bonzinho que não me marcaria, e cá estou, esperando que um tema desses caia na redação do ENEM para eu citar essa obra!
Sou simplesmente apaixonado por contemporâneos nacionais. Que eu consiga ler mais deles!