Leila de Carvalho e Gonçalves 12/01/2022
Marx Para Empreendedores
Finalista do Premio Jabuti 2021, Os Supridores é o romance de estreia de José Falero. Uma conquista singular para um autor, de 34 anos, que até os vinte, jamais lera um livro e, se não fosse por uma aposta com a irmã, provavelmente jamais leria e por conseguinte, descobriria o gosto pela literatura.
De caráter crítico e irreverente, a obra expõe uma conjuntura que o escritor viveu: ainda jovem, ele foi supridor ou repositor de supermercado na periferia de Porto Alegre, epicentro de outros dois outros romances contemporâneos ? Marrom e Amarelo, de Parlo Scott, e O Avesso Da Pele, de Jeferson Tenório ? que também desconstroem a ideia da capital gaúcha ser majoritariamente formada por uma população branca, de alta renda e ascendência europeia.
Em linhas gerais, Os Supridores expõe a saga de Pedro e Marques, dois pobretões que trabalham na rede Fênix de supermercados e pretendem virar o jogo, isto é, enriquecer vendendo maconha. Um nicho sem tanta concorrência e menos violento do que o disputado e mais lucrativo comércio de crack e cocaína.
Os dois têm sido comparados a uma versão brasileira de Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança, à medida que um representa o ideal e o outro o real. Entretanto, a semelhança entre Pedro e Sméagol, o hobbit corrompido por um anel de O Senhor dos Anéis, também impacta a leitura e é mencionada nas últimas páginas.
Aliás, o jovem é um leitor contumaz que, desencantado com a falta de oportunidades, resolve empreender, adotando uma perspectiva marxista que aprendeu nos livros; já Marques, ?discípulo? e sócio do amigo, precisa urgentemente aumentar seus rendimentos, pois, casado e com um filho, sua esposa engravidou por acidente.
Reunindo humor e ironia, Os Supridores apresenta o retrato fiel do Brasil atual, trazendo à baila nossa assimetria socioeconômica, responsável pela falácia da meritocracia, a idealização do empreendedorismo e a desumanização do trabalho assalariado, desafios que colocam em xeque o capitalismo como solução.
Entre os destaques estão a fluidez narrativa e o perfeito equilibro entre cenas de ação e situações cômicas que levam o leitor para um desfecho eletrizante, minuciosamente construído. A sensação é que se está no centro dos acontecimentos, acompanhando cada movimento de um bom thriller carregado de tensão e suspense.
Outro elemento atrativo é a dupla linguagem empregada por Falero. A formal entremeia a historia, enquanto que a coloquial, a ?linguagem das ruas?, é usada pelas personagens nos diálogos e pode até chocar o leitor mais desavisado ou desacostumado com seu emprego, tal qual causou celeuma, há poucos anos, o livro de contos Sol na Cabeça, de Geovani Martins.
Enfim, ?não há canto de pássaro nem coisa alguma capaz de trazer magia à precariedade total.? (Página, 29)
Boa leitura!