Pietra 23/08/2023
Sei que comprar uma primeira edição tem o seu charme, mas ler um livro após 17 anos do seu lançamento, que já passou por reedições e reimpressões, também.
Em 2016, a escritora e jornalista Elizabeth Gilbert revisitou o aclamado Comer, rezar e amar no aniversário de 10 anos de lançamento - desde 2006 ela não tocou uma vez no livro sequer. A releitura rendeu um prefácio especial muito bom com observações sobre a sua jornada, a recepção do livro e, principalmente, como ela era na época.
O prefácio é mais do que um simples presente de aniversário, e sim uma parte necessária do livro para nós leitoras e leitores. Desde quando Comer, rezar e amar foi publicado muitas coisas mudaram. O mundo, as pessoas e a própria Elizabeth Gilbert. Ela não é mais aquela pessoa que escreveu nem a que é retratada nas páginas. É importante ter isso em mente ao ler e gosto que ela destaca isso no prefácio.
Ela aponta como, em várias vezes ao longo dos seus relatos, se chama de “velha” quando tinha apenas 30 anos de idade. Apesar de eu não achar que isso acontece com tamanha frequência como ela diz, entendo o seu ponto. Quando estamos cansadas nos sentimos esgotadas, como se toda a energia (que normalmente é associada ao jovial) fosse sugada de dentro de nós. Mas 30 anos está longe da terceira idade e é ótimo ver que ela reconheceu isso 10 anos mais velha.
Uma parte do prefácio que gostei em especial é uma confissão que a Elizabeth faz sobre querer ou não ter filhos. Ela sempre sentiu pressão em ser mãe, e o único escape que encontrou foi enterrar isso dentro de si e adiar a decisão. No livro, ela menciona esse assunto apenas nas primeiras páginas, quando relata sobre o seu longo e sofrido divórcio, e depois não toca mais. Mas dá para perceber que no fundo ela já havia tomado uma decisão que ainda não reconhecia.
Anos depois Elizabeth consegue dizer sossegadamente em voz alta que não deseja ser mãe. No prefácio, ela admite que na época excluiu uma cena na Itália relacionada a isso pois ainda não se sentia 100% confiante.
Admito que fiquei um pouco chateada com essa omissão, mas foi bom ela ter sido honesta. Isso mostra que a sua jornada não foi perfeita e teve altos e baixos, principalmente quando está na Índia. Inclusive, imagino que muitas coisas ficaram de fora como perrengues ou algumas situações desagradáveis - o que é normal porque todo livro passa por uma edição, né?
Não gosto como na maioria das vezes Comer, rezar e amar é panfletado como livro de autoajuda (a Elizabeth mesma fala sobre essa confusão). Prefiro chamá-lo de livros de memórias ou, simplesmente, de diário. Mas entendo de onde vem isso. A Elizabeth passou por situações que muitas mulheres enfrentam ou ainda enfrentarão ao longo da vida, então é normal se identificar e encarar suas palavras como conselhos.
Ainda assim, não podemos pensar que uma jornada em busca de superação e mudança só é válida se você viajar ou mudar de país. Além dessa ideia soar bastante fantasiosa e romantizada, é preciso ter uma boa grana para arcar com os custos. A Elizabeth diz que já visitou muitos países, e levando em consideração o lugar que ela morava quando era casada, por exemplo, imagino que ela tenha uma vida financeira bem confortável.
Não sei se ela diz isso no prefácio anterior, mas nesta edição ela reconhece o privilégio que tem e deixa claro que a aventura só foi possível porque a editora pagou antecipadamente pelo livro. Foi bom ela ter revelado isso porque ajuda a quebrar essa fantasia.
As viagens pela Itália, Índia e Indonésia foram incríveis, eu amei ler sobre cada uma delas. Por mais que a Elizabeth fale que não foi para a Itália visitar igrejas, museus e templos romanos, conhecer a história do país, ela não deixa de contar curiosidades sobre a história, a cultura e a língua.
Diria que na Itália é onde ela volta a se alimentar, nutrir, ganhar sustento. Dar a si mesma amor próprio, depois de um momento depressivo no qual a alma dela foi maltratada. Depois de bem alimentada, na Índia é hora de se conectar consigo mesma. É um momento de perdão, de cura, e de acreditar no amor. Já na Indonésia é onde ela conhece novos costumes, pessoas, e conhece o que é fazer parte de uma comunidade.
Amo que Comer, rezar e amar se passa em 2006. Em uma época na qual havia tecnologia mas o mundo não estava 100% conectado. Sinto que a falta de smartphone, rede social, tecnologias tão embutidas na nossa vida hoje, fez uma grande diferença na jornada da Elizabeth. Em alguns momentos ela vai em lan-houses conversar com amigos por e-mail, mas sem carregar um celular pra lá e pra cá, ela pode se conectar com a vista ao seu redor e com as pessoas.
Eu amei o livro. Senti como se tivesse embarcado nessa grande jornada ao lado da Elizabeth, acompanhando ela em cada momento.
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