Stella F.. 19/10/2022
Amizade e Perdão
A Casa Holandesa – Ann Patchett – Editora Intrínseca – 2020 [resenha/resumo]
A família Conroy mora na Casa Holandesa, uma casa suntuosa, enorme, cheia de quartos com muitos quadros, retratos pintados, móveis, azulejos e vidraças, que já estavam nela quando foi adquirida pelo senhor Cyril Conroy, patriarca da família. A casa anteriormente pertencia aos VanHoebeeks, que parecem tomar conta de todos através dos seus retratos que estão espalhados pela casa.
Vamos aos poucos conhecendo a família e seus componentes como os filhos Maeve e Danny, as ajudantes Sandy e Jocelyn, Fofinha, e a atual namorada do pai, Andrea.
Cyril Conroy após voltar da Segunda Guerra Mundial resolve entrar para o mercado imobiliário, e acaba se dando bem. Compra imóveis, revende, e aluga, sempre mantendo contato com seus inquilinos, indo cobrar os aluguéis pessoalmente e fazendo pequenos reparos quando necessário. E melhora de vida resolvendo comprar a Casa Holandesa. Na época era casado com uma mulher que tinha estado em um convento, e que só não seguiu no convento por amor a ele. E viveram sempre dando um jeito, e ela gostava dessa simplicidade. Sempre foi devota aos pobres e necessitados. Quando chega na Casa Holandesa, apresentada a ela de surpresa, desde o início a detesta, a vê como exagero, e a partir disso a relação do casal muda e tudo acaba quando ela resolve sair de casa, deixando os filhos, e seguir sua missão na Índia.
Os filhos Maeve, de 10 anos, e o Danny, um pouco mais novo, sentem muita falta da mãe, e a filha principalmente, vai elaborar essa perda ficando doente, desenvolvendo uma diabetes severa, com aplicações de injeções. Essa irmã passa a cuidar do irmão Danny e surge entre eles uma amizade, um amor muito grande que vai perdurar por toda a narrativa, e é muito bonito.
O pai se casa com Andrea, que tem duas filhas. Cheia de vontades e manias, estranha um pouco a casa ser tão devassada, trata a todos com superioridade, não tem nenhum amor pelos enteados, que não têm empatia por ela.
Tentam conviver, mas é muito difícil. Até que tudo piora quando o pai passa mal ao visitar uma obra e falece. Mais uma perda para os irmãos e Andrea vai acabar expulsando os irmãos da casa definitivamente. Maeve já havia saído de casa quando o pai se casou e o Danny havia deixado a casa para completar os estudos e depois cursar Medicina, apesar de não querer ser médico. Por um tempo os irmãos dividem um apartamento minúsculo.
A Maeve era um crânio em Matemática e logo depois de se formar vai trabalhar em uma empresa fornecedora de alimentos como contadora, mas ela é praticamente responsável por todo o funcionamento, e seu chefe só confia nela. Ela trabalha muito, e vive para trabalhar e cuidar do irmão.
Danny conhece a futura esposa, Celeste, no trem e ela adora saber que ele estuda Medicina, e acabam se casando e tendo dois filhos. Mas quando ele abandona a Medicina para lidar com o mercado imobiliário, a relação deles estremece, apesar de continuarem juntos por muito tempo. Ela o apoia sempre, mas apesar de ao se conhecerem gostar da Maeve, ambas posteriormente vão desenvolvem uma aversão mútua.
Após serem expulsos os irmãos criam um hábito de conversarem em frente à casa dentro de um carro. E lá recordam da vida na casa, das lembranças que são diferentes para os dois, as emoções, do pai, da mãe ausente, da madrasta. Essas cenas, dentro da narrativa, se apresentam intercaladas com o fluxo normal do texto, do presente para o passado e aos pouquinhos vamos conhecendo partes da história que não haviam sido esclarecidas. São como pequenas pitadas de informações, que vão preenchendo os vazios que havia, passadas sempre pelo narrador, Danny.
Após a morte do pai, os irmãos descobrem que Andrea conseguiu que o marido deixasse tudo para ela, e os irmãos podem usar o dinheiro até um determinado momento. Então a irmã Maeve resolve que vão gastar tudo a que tem direito, enquanto podem. Danny argumenta que não quer fazer Medicina, mas ele acaba cursando, como forma de usar o dinheiro que era deles de direito e o pai deixou para a madrasta. Aliás, esse pai, para mim, era bastante ausente. Uma pessoa que todos gostavam, os clientes, os amigos, mas que achei bastante alheio aos filhos, como se nada dissesse respeito a ele.
E o livro vai crescendo da primeira para a segunda parte e chegando ao melhor, a terceira parte. Aqui a mãe ausente por toda uma vida vai surgir como por milagre, quando a filha Maeve fica doente. Danny vê uma senhora na recepção e tem um lampejo de que já a conhece. E descobre ser sua mãe, que resolveu aparecer para a filha, que ficou doente logo após o abandono. Danny fica perplexo e indignado, julgando-a, mas Maeve fica muito feliz e elas recordam o tempo na Casa Espanhola e sua infância, composta de lembranças da mãe. Conversam e Danny ao final, com acontecimentos cruciais em sua vida, acaba aceitando essa mãe, não a perdoando, mas conformando-se com o que não tem volta, com o que já estava feito, que poderia ter sido diferente, mas não foi. E essa mesma mãe que detestava a Casa Espanhola, volta a ela para cuidar de Andrea que está doente.
“Não havia distância entre elas nem recriminações. Viviam juntas no próprio paraíso da memória.” (pg. 292)
Podemos perdoá-la por ter abandonado os filhos? Ela não poderia ter ajudado os pobres de outra maneira? Foi egoísta ou o marido foi egoísta sabendo que ela não gostava da casa? É possível perdoar?
“Maeve fez esse mesmo exercício quando nossa mãe voltou: voltou para o início da história, até ter certeza de que tinha entendido o que havia acontecido. Mas, para mim, a disciplina tinha sido exatamente o contrário: quando consegui enxergar minha mãe apenas como a pessoa que era agora – a velhinha dirigindo o Volvo -, achei que ela estava bem. Era ativa, prestativa, tinha uma risada agradável. Parecia a mãe de outra pessoa, e a maior parte do tempo eu conseguia bloquear o fato de que era minha mãe. Ou, colocando de outra maneira, eu pensava nela como mãe da Maeve. Isso funcionava para todos nós.” (pg. 308-309)
O livro é bom, mas não achei excepcional. Vai falar de muitos sentimentos diferentes como amizade, amor, dedicação a uma causa, perdão.
E o diferencial da narrativa é que a Casa Espanhola é junto com os irmãos, uma protagonista. Ela interfere na vida de todos, quase que determinando seu futuro. Tudo começa com a casa e acaba com a casa. O amor do novo casal deu-se pela casa, o andamento da vida dos irmãos deu-se pela expulsão da casa e o abandono e retorno da mãe ocorreu por causa da casa. O que uma casa pode fazer com diferentes pessoas?