Fernanda Dezopi 28/06/2021
Com toda CERTEZA esse livro entra nos melhores desse ano de 2021. Na verdade, em um dos melhores que já li.
Fora que esse livro está diretamente ligado a momentos que vivenciei na minha vida, o que torna ainda mais especial.
Leitura fluída, muito gostosa de ler...
Nota: 9/10.
Não chego a dar 10 por eu ter sentido falta de um maior desfecho a vida de Smita e Lalita.
A história é contada em três perspectivas. Três histórias. Três experiências. E o PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE.
A primeira personagem é Smita.
Essa personagem vive na Índia e é uma dalit ou intocável. O intocável na Índia é um termo utilizado para uma classe mais inferior entre as castas. Essa casta é responsável por realizar os trabalhos mais impuros na sociedade, como a limpeza de excrementos.
As mulheres intocáveis são as mais comumentes vítimas de estupro na Índia, em especial em áreas rurais. Conforme é retratado no livro, são pessoas que cometeram crimes na sua vida anterior e que na vida presente são obrigados a se purificarem, ou seja, a limparem seu darma e o darma do mundo.
Uma mulher dalit nunca consegue ascender socialmente. Como também, sua filha e as suas próximas gerações.
Não recebem nenhum salário pela limpeza de excrementos. A única coisa que podem (OU NÃO) receberem são míseras porções de arroz. São eternamente condenados a pobreza.
Além do mais, sofrem um preconceito extremo.
Nesse enredo, Smita está cansada da sua condição e não quer que sua filha siga essa vida. Quer que ela seja diferente, que ela tenha oportunidade de estudo, que possa ler, escrever e ser quem ela quiser ser.
Mas essa realidade não pode ser atingida na sua vila.
Então, sua história é contada sob a perspectiva de uma viagem para uma cidade na Índia. A intenção é que obtenha melhores condições para ela e para sua filha.
Cada depoimento dado pela Smita sobre a realidade da Índia é sufocante e extremamente dilacerante.
A segunda personagem é Giulia e mora em Sicília (Itália). A italiana tem um atetiê familiar de coloração de cabelos, perucas, enfim.. tudo sobre cabelos.
Nesse ateliê trabalham apenas mulheres.
Na verdade, são uma família.
O negócio pertencia ao seu avô.
Ao decorrer da história, o seu pai sofre um acidente de moto e é internado no hospital em estado grave. O seu pai se encontra em coma e sua família acaba entrando em desespero. Despesero pelos negócios e pelo estado de saúde do pai.
Nesse meio tempo, Giulia conhece Kamal e tem uma história de amor com ele.
Com esse cenário, Giulia toma a frente dos negócios e se depara com a possibilidade de falência do ateliê. Na realidade, a fonte de cabelos dos sicilianos se tornou escasso (matéria-prima diminuiu) e não conseguem mais manter o ateliê funcionando como antes. Como os negócios vêm muito mal por algum tempo, corre o risco de perder a casa pelas dívidas geradas.
É nesse momento que alcança um grande entrave no enredo.
O que fazer para manter os negócios de pé? Manter a tradição familiar? E ao mesmo tempo, manter a casa, o custeio da familia e manter todas as mulheres que vem trabalhando no ateliê ao deocrrer desses anos.
Giulia entra em desespero.
Sua família entra em desespero.
Chega-se a necessidade de modernizar o ateliê. A grande resolução para esse problema é: importar cabelos da Índia.
A terceira personagem é Sarah. Sua história se passa no Canadá. Uma mulher forte, destemida, advogada, israelita e mãe de 3 filhos.
Ao decorrer da sua história, Sarah descobre que está com câncer de mama. O seu estado é grave e acaba tendo a necessidade de fazer quimioterapia. Como também, de lutar pela sua vida.
Sarah foi uma mulher workaholic nessa história. Viveu pelo trabalho e nunca compareceu em apresentações dos filhos, quermesses, formaturas e reuniões familiares. Ela se separou 2x e no momento que conta sua história está solteira.
Como é israelita e vem com histórico familiar de câncer, Sarah carrega em seu DNA genes que expressaram o câncer. No momento em que descobre essa doença, a única preocupação dela é: como continuar trabalhando sem que os associados do escritório de advocacia percebam o seu estado. Ela passa por vários momentos na história fingindo que está tudo bem. Sem admitir a doença, maquiando os traços de dores, usando suas férias nunca tiradas para realizar a retirada do tumor na mama, roupas que não apareçam que ela perdeu peso. Tudo para que ela não perca seu cargo e as pessoas não tenham compaixão dela. Como também, que ela não seja minimizada/oprimida por estar com a saúde fragilizada.
Logo que o escritório descobre seu estado de saúde, Sarah começa passar por situações de preconceito. Isso é evidenciado pelas exclusões de reuniões, perdas de clientes, descrédito dos outros adovados e aos poucos os outros advogados perdem a confiança por ela. Temem que ela morra a qualquer segundo e que ela não seja capaz de arcar com a responsabilidade da sua atuação trabalhista.
Quando o advogado, responsável pela corporação, denominado por Johnson passa a sua área de atuação para outro advogado, Sarah entra em pânico. É nesse momento que atinge a percepção clara da sua condição (tanto de saúde como no tratamento excludente dos outros advogados do escritório).
Sarah fica 4 dias no quarto em prantos e desiludida. Seu médico já começa a prescrever antidepressivos.
Ao se levantar e se olhar no espelho, percebe que toda sua feminilidade foi embora, que há poucas mechas de cabelo, a magreza, falta de curva no corpo e a aparência de doente espantado no rosto.
É nesse momento que acontece o seu turn-around.
Sarah percebe que chegou o momento de recuperar sua autoestima.
Percebeu que UMA DAS ETAPAS dessa doença é se manter em PÉ. Ter garra para continuar e querer viver.
A partir disso, vai até uma loja específica e compra uma peruca. Uma peruca confeccionada na Sicília por mulheres, por um período de 80 horas e feita totalmente manual. Uma peruca feita de cabelos de mulheres indianas.
Ao ler isso, pode achar que seja algo banal e se indagar: POR QUE UMA SIMPLES PERUCA PODE TER TANTO PODER?
Uma peruca pode dar forças a uma mulher para resistir as imperícias da vida.
Uma peruca é um sinal de esperança.
Resiliência.
Antifragilidade.
Força.
Luta.