Pedro Nunes 02/02/2021
O Poço
A Mulher Ruiva é o nome do livro enviado em janeiro para os assinantes da TAG Curadoria. Foi escolhido pelo Milton Hatoum, o curador do mês, e escrito por Orhan Pamuk, que foi Nobel de Literatura em 2006 e que eu, até então, desconhecia completamente.
A história, narrada em primeira pessoa, fala sobre um rapaz cujo pai, envolvido em um movimento político de esquerda, um dia desaparece, durante um governo ditatorial na Turquia, deixando para trás a mulher e o filho que nos conta a história. Já adolescente, o filho, para juntar dinheiro, começa a trabalhar como ajudante de um cavador de poços, nos arredores de uma cidadezinha próxima a Istambul. Nessa cidadezinha ele vê uma mulher ruiva, por quem desenvolve obsessão. Ao mesmo tempo, o cavador de poços que toma o rapaz como auxiliar desenvolve com ele uma relação abertamente paternal e sutilmente antagônica.
O autor traça a história com base em duas histórias de conflito entre pai e filho: Édipo Rei e a lenda de Rostam e Sohrab, do Shahnameh, um poema épico persa escrito há coisa de um milênio atrás. Os paralelos com essas duas histórias - a do filho que mata o pai e a do pai que mata o filho, respectivamente - são abundantes e eu não estou jogando nenhum spoiler no seu colo ao dizer isso: está na contracapa do livro, entrar nesse tema é uma intenção clara do autor desde os primeiros capítulos.
Um paralelo que me parece muito mais gritante, entretanto, e sobre o qual não li muito a respeito no material de análise da história enviado pela Tag - tanto no conteúdo destinado a ser prefácio quanto no prólogo -, o que me faz considerar que talvez tenha passado batido à equipe da Tag, é o da narrativa com a atividade de cavador de poços. A narrativa sobre o poço, as dificuldades, a rotina, todo o processo, é análoga à narrativa de vida do personagem em diversos sentidos, com todos os detalhes sobre as diferentes camadas que precisam ser removidas do caminho até a chegada a algum lençol freático, a incerteza sobre encontrar água ou não (e quando), a sensação de que não vão encontrar nada e a insistência em cavar o poço apesar disso... toda essa etapa da primeira parte do livro me explicou muito mais sobre a segunda do que toda a abordagem geracional (que não é mal desenvolvida pelo autor, nem fora de propósito, mas me parece um recurso muito mais batido do que essa questão do poço).
Aqui não vou entrar em detalhes, justamente para não estragar a experiência do livro a quem resolver lê-lo. Mas se você também assina a Tag e também recebeu esse volume (e leu), bora trocar uma ideia.
A escrita do autor é feita de estruturas diretas, sem grandes volteios e sem a construção de suspenses desnecessários. Poucas pausas para descrição, também. O tipo de ritmo que te permite ler mais de trinta páginas de uma vez, sem precisar colocar o cérebro em stand by, como muitas vezes acontece nesses "page turners".
Um livro fácil de ler, inteligente, bem-escrito e bem amarrado. Me causa estranheza que o autor não seja mais conhecido pro lado de cá. Depois deste, vou buscar mais coisas dele.