Sil 02/04/2021
Como eu disse na postagem de ontem eu irei participar do desafio 5 livros nacionais em 5 dias promovido pela Companhia das Letras e o primeiro livro que escolhi foi Apague a Luz se for Chorar, um drama com um pouco de suspense escrito por Fabiane Guimarães.
O livro tem dois personagens principais, Cecilia e João. Quando acompanhamos Cecilia temos uma narração em primeira pessoa, já com João a narração é em terceira pessoa. Cecilia perdeu os pais em uma morte que lhe causa desconfianças, principalmente após o aparecimento de um suposto irmão e as visitas de um primo inexistente relatada pela vizinha de seus pais. Ela vive no Rio de Janeiro, bem longe da pequena cidade no interior de Goiás onde seus pais se escondem, por isso nunca teve tanto contato pessoalmente com eles nos últimos anos e por isso há coisas que ela não sabe sobre eles e se choca ao descobrir depois. João é veterinário que trabalha em algo que podemos chamar de canil, com vários animais abandonados onde alguns vão para adoção e outros são sacrificados. Ele tem essa missão e por fazer há tanto tempo ele perdeu qualquer tipo de remorso que isso poderia causar, "matar" os animais ali para ele é rotina. João tem um filho pequeno que nasceu com paralisia cerebral e ele é o único responsável pela criança, contando com a ajuda de uma babá. Ele descobriu sobre um tratamento experimental com células-tronco que é realizado no China e precisa arrumar dinheiro para conseguir ir com o jovem Adam.
Cecilia é uma personagem cativante. Uma mulher que sofreu grande decepção amorosa e precisou se reerguer sozinha em um novo lugar para tentar esquecer o passado. Apesar de pouco ver os pais ela os ama e sente falta deles, mas o medo de admitir que precisa deles é maior do que qualquer coisa, além da vergonha por ainda necessitar deles financeiramente, já que sua vida está um desastre e ela está desempregada. A história tenta criar uma trama de suspense quando ela começa a desconfiar da morte dos pais, por ter sido de um jeito que poucos acreditariam, e isso recai para Caio, seu suposto meio-irmão que está ali para reivindicar sua parte do testamento. Acho interessante a desconfiança nele, entretanto o livro é muito curto para conseguir desenvolver isso tão bem, de uma forma em que o leitor compre as paranoias dela para desconfiar dele. E sim, faz todo sentido desconfiar dele, mas só pelo menos que faz sentido, o livro não alimenta essa desconfiança por muito tempo e isso acaba acabando com o suspense muito rápido. Mas ainda acho que a melhor parte é Cecilia acabar conhecendo melhor seus pais após a morte deles e também se conhecendo, em alguns aspectos.
O tanto que eu gostei dela eu posso dizer que senti desprezo por João, isso porque apesar de tentar mostrar ser um pai preocupado ele não se importa de verdade com o filho dele e isso é perceptível por todas as vezes que ele mal deu atenção ao menino. Em relação a forma como o livro descreve Adam eu não gostei, na verdade eu não gostei nem um pouco. Como eu disse ele nasceu com paralisia cerebral e pelas descrições do personagem na obra ele é de nível 4, o mais critico de todos. Essas pessoas não tem nenhuma autonomia do seu corpo, não podem andar, não podem falar, algumas não podem nem comer e precisam usar sonda a vida inteira e sim, é triste uma pessoa ficar presa em seu próprio corpo, entretanto no caso de João ele descreve o filho como se ele fosse somente um "vegetal ambulante" (palavras do próprio personagem), um "moleque inútil" (também palavras do próprio personagem). Sério, é revoltante esse pensamento de um pai para com seu filho e pior ainda é pensar que existem pais, famílias, que pensam isso das crianças com paralisia cerebral. Mas no livro em si o que mais me revoltou é que a impressão que da é que todas as crianças com paralisia cerebral não expressam sentimentos, ou não sabem o que quer, a impressão que o livro passa é que essas crianças não tem um pingo de inteligência só porque estão em uma condição que muitas habilidades naturais do ser humano não serão desenvolvidas. Bom, nos últimos 3 anos eu convivo com uma criança com paralisia cerebral e posso dizer com toda certeza que está longe de ser como as descrições do Adam, e olha que eu também estou falando de uma criança nível 4 que os médicos já tiraram todas as esperanças dos pais de que um dia ela irá se alimentar com a própria boca ou irá conseguir falar alguma coisa. Não sei exatamente a intenção da autora com as descrições de Adam, e se foi para deixar o leitor com ranço de João eu até entendo, mas faltou um tato para explicar em uma nota de rodapé que paralisia cerebral tem diferentes níveis e que cada pessoa que tem essa condição se desenvolve de formas diferentes, de acordo com o acompanhamento médico que possui, as terapias que fazem e tudo mais.
O livro tem uma narração muito fácil e gostosa de acompanhar, mesmo não gostando de João eu ainda queria saber mais e mais sobre ele e principalmente Adam, e claro que Cecilia e sua busca por saber o que aconteceu com seus pais me deixaram bastante curiosa e torcendo muito para que ela encontrasse alguma paz com sua resposta. A forma como a vida desses dois personagens acabam se conectando é bastante interessante e, se não fosse spoiler, poderia até fazer um debate sobre isso, já que é um assunto bastante polêmico no Brasil apesar de ser comum em alguns países.
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