Tamy 26/12/2010Produto Interno (nem um pouco Bruto)O início desse livro pode mesmo ser visto como alguém fora de si. Eu demorei algum tempo até me acostumar à forma como a Martha Medeiros narra, ainda que em primeira pessoa. Excesso de vírgulas e escassez de pontos finais, um emaranhado de pensamentos unidos em frases. Não sei se todos os seus livros seguem o mesmo estilo, mas a princípio confesso que achei a escrita inquietante. Talvez fosse essa a intenção. Ou talvez eu seja apenas cricri demais por adorar frases curtas, repletas de pontos finais ao invés de vírgulas ou ponto-e-vírgulas (não que isso esteja aparente nesse início de resenha que me atrevo a escrever agora).
Depois de imaginar a própria personagem, que pode ser qualquer pessoa que você conhece ou que eu possa conhecer, e sentir o ritmo do texto, ou a fluidez que a autora, muito provavelmente, teve a intenção de passar, consegui terminar de ler o livro em poucas horas.
Nossa personagem anônima - e conhecida por muitas, se não por todas as mulheres – começa relatando a desordem de sentimentos que passa após a separação de seu atual-ex-marido. Sim, complexo, mas interessante. Passa pelas diversas vestes do amor: dos arroubos de paixão às brigas por ciúmes, a depressão da separação e os amores substitutos.
Faz, então, uma volta ao passado e nos mostra como aquilo tudo já havia começado de uma forma louca e doentia, como o tão falado amor podia ser não definível, tão inconstante, tão desregrado. O amor não tem regras, não tem limites, seu ex-marido também não tinha, nem mesmo quando o conheceu. Ela só não quis admitir de cara no que estava se metendo, quis dar à si mesma a oportunidade de quebrar a cara como previu que aconteceria antes mesmo de começar. Quem nunca fez o mesmo que atire a primeira pedra!
Ah, ler esse livro acompanhado de “Mentes Perigosas” pode não ser o mais aconselhável. Uma obra que tem como título “Fora de mim”, fala sobre uma mulher ferida, em depressão, e seu ex-marido tan-tan, associado a um estudo sobre os psicopatas (de uma maneira geral, o que inclui os sociopatas também), não deve mesmo ser uma coisa saudável. Fica a dica.
Por fim, e essa foi a parte mais surpreendente, ela se aproxima da última pessoa no mundo que eu a imaginaria se aproximando. Não teria eu tanta coragem quanto ela, ou tanta curiosidade, mas admiro nossa personagem por isso. Digo nossa, porque também me sinto parte dela, me vi em alguns momentos, ainda que não tenha passado por nenhuma das situações descritas, nem mesmo o amor arrebatador tão famoso nos livros e filmes sobre os quais ela falou. Ainda me falta muita coisa para entender completamente a riqueza contida nesta obra, mas o futuro que ela pinta é bem mais atraente que seus amores passados.
No final, esse livro ficou em um limbo para mim, um limbo bom, com o perdão do cacófato. É mais que um conto, menos que um romance, não sei dizer. A narrativa em primeira pessoa, só contando a sua própria história, faz parecer um real relato ao ex sobre a história dos dois, mais informal do que qualquer livro que já tenha lido e ao mesmo tempo com um vocabulário vasto, que não vemos todo dia em que qualquer livro, nem bem empregado por qualquer autor.
Além disso, trata-se de uma autora nacional, de um produto interno, nem um pouco bruto, que foge ao boom do sobrenatural que povoa nossas livrarias e estantes hoje. Talvez ainda trate de uma questão que não tem muita explicação ou definição considerada correta, como é o amor e a ficção fantástica, todavia, tenta adicionar algumas outras palavras à pré concepção de amor como “um dilúvio, um mundaréu, um destempero”, mas esse assunto, ao menos, é bem mais real.
Não sabia se gostaria do livro dessa jornalista gaúcha, mas a surpresa foi boa. Recomendo, de fato, esta oportunidade de conhecer autores brasileiros e, para não fugir ao clichê, cito uma frase que muito me prendeu em Fora de Mim:
“Amar prescinde de entendimento. Por isso não sei amar, porque sou viciada em entender.”