narf 10/01/2022
Além das páginas
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Não quero dar uma nota a este livro, porque assim eu estaria admitindo que, às vezes, os sentimentos que as leituras me provocam são muito mais fortes do que as palavras que li.
Infelizmente, a autora falhou em aprofundar em acontecimentos históricos pelo qual Addie transita, senti que ela não os citava porque agregaria a narrativa, e sim para beneficiar o crescimento da personagem e justificar a mudança de tempo-espaço. Não sei se foi a intenção, mas me pareceu preguiçoso.
Li por aí que o livro é arrastado, mas discordo. A escrita é poética e demorada porque desenvolve pequenos acontecimentos de modo metafórico ou com analogias, o que pode entristecer alguns, mas não a mim. No entanto, como alguém apaixonada por História (a ciência) e histórias (de livros à fofocas), gostaria que as palavras tivessem se demorado na contextualização de mundo também. O cômico é que o livro trata-se da desmemorização de um personagem, e a autora, querendo ou não, pratica um apagamento histórico também com a história do mundo real. Confuso explicar o que quis dizer, mas foi algo no qual pensei bastante sobre.
Como a própria autora escreve nos agradecimentos, a escrita e outros meios de registros é a forma como os seres humanos encontraram para "tentar capturar as ideias antes que elas escapem", antes que se esqueçam. Não é possível se recordar sobre tudo, por isso somos tão tentados a criar, somos seres criativos (uns mais do que outros). A história se aprofunda nessa reflexão abordando o fato de que alguém que não consegue criar, deixar marcas no mundo, no passado, é alguém muito mais suscetível a ser esquecido.
A verdade se encontra nos detalhes, e Henry sentiu o peso desse fato. Apesar de ter documentado longas histórias em inúmeros cadernos, ainda não foi o suficiente para evidenciar toda a complexidade humana, tudo o que Addie foi e viveu. Mesmo que estejamos em uma luta incansável para que se lembram de quem somos, ninguém nunca terá nos conhecido de fato, nenhum registro será suficiente para completar a infinidade de pormenores que formam o nosso ser. Nenhum tempo que tivermos será o suficiente para conhecer sobre tudo e todas as coisas... Na real, até que ponto vale a pena ser lembrado (ou lembrar)? Esquecer é uma dádiva ou castigo? Quanto tempo ainda temos?
Este livro é muito... muito. Não é um livro que eu daria o máximo de estrelas ou que recomendaria para qualquer um ler, porque sei que o que aprecio neste livro está muito além dessas páginas. Sei que a autora escreveu este livro pensando em sua mãe, que foi esquecida por sua avó, vítima de Alzheimer. E sinto muito por isso, porque vivenciei o mesmo com minha vó, e as oscilações entre lucidez e esquecimento eram muito mais inconstantes e frias que a dualidade de Luc.
O livro por si só possui inúmeras camadas, camadas essas que somente a autora poderá destrinchar, e as outras camadas, adicionadas pelos leitores, serão inúmeras interpretações recheadas de vivências únicas sobre um mesmo tema (e a sucessão de indagações que ele provocou). O que amo nos livros é essa capacidade de trazer a tona lembranças que tentamos reprimir, tornando-as em ideias muito mais indomáveis, em memórias e asserções muito mais significantes... Fazendo com que um mesmo livro seja diferente para cada pessoa que o lê, aplicando também nas releituras que fazemos em diferentes épocas da vida (isso se você for alguém que enxerga "beleza na transmutação", isto é, alguém que busca sempre evoluir).
Li este livro em doses homeopáticas, mesmo que a leitura fluisse muito quando o pegava para ler. Eu sou alguém facilmente rendida por livros que falem sobre outros livros, e sempre preciso de tempo para digeri-los. "Brinquei" nos históricos dessa leitura que eu precisaria de 300 anos (ou mais) para poder ler tudo que almejo. Vale ressaltar que este é um livro com muitos gatilhos (sugiro uma busca rápida no Google). Pretendo relê-lo, mas antes preciso esquecê-lo um pouco mais, estar mais preparada para fingir surpresa com o plot (convenhamos que foi um pouquinho previsível, mas se encaixou perfeitamente nesse caso e eu amei como o livro termina, ou começa... depende da sua interpretação).
Antes do fim, gostaria de dizer que fiz uma lista com todos os livros citados neste livro, e enviarei com prazer a quem pedir :)
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Esquecemos um pouco de nós mesmos todos os dias, um pouco do que estudamos, um pouco do que vivemos, um pouco das pessoas que amamos, um pouco dos livros que lemos.. "A mente vai afrouxando o domínio sobre o passado para abrir caminho para o futuro", como disse Henry. No entanto, espero que eu não me esqueça de Addie LaRue.
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? "Consegue ficar sem calor (o frio não vai matá-la). Mas uma vida sem arte, sem deslumbramento e sem beleza a deixaria louca. Já ficou louca uma vez. Ela precisa de histórias. Histórias são um modo de se preservar. De ser lembrada. E de esquecer. As histórias vêm à tona em diversos formatos: desenhos, canções, pinturas, poemas, filmes. E livros. Ela descobriu que os livros são uma maneira de se viver milhares de vidas diferentes-ou de encontrar forças para viver uma muito longa."
? "but isn't wonderful, to be an idea?"