breno 20/10/2021
Um novo acerto de King
Em 2019, li Zona Morta do Stephen King, escrito em 1979. A narrativa acompanha um homem que, tendo o poder de ver vislumbres do futuro ou do interior das pessoas, acaba descobrindo "pessoas ruins" e vai atrás delas em busca de justiça, disposto até a matá-las. Na época, achei a experiência incerta e de certa forma fraca.
Mais de quarenta anos depois, em Billy Summers, lançamento de King em 2021, acompanhamos um protagonista que igualmente está disposto a matar, ou intencionado a isso, já que é um assassino de aluguel, excelente atirador, visto que é veterano da guerra do Iraque. Aqui, não existe nada paranormal, Billy é contratado por pessoas, com os mais diferentes motivos para querer ver outra pessoa morta. Ele só tem um critério, a pessoa deve ser realmente ruim, o que não garante que seus contratantes sejam exatamente bons. E agora, Billy vai realizar o último trabalho para, depois de tudo, se nada der errado, desfrutar sua aposentadoria. O problema? Tudo pode dar errado.
Confesso que quando li a sinopse, ainda em 2020, quando o King anunciou o livro, eu não fiquei tão animado quanto fiquei quando O Instituto foi anunciado, por exemplo. Talvez por ter passado por uma decepção recente com o autor, com Depois. Ou talvez porque nunca me interessei pelas histórias de assassinos de aluguel e justiceiros, já não tendo gostado tanto de Zona Morta.
Porém, eu estava errado. E ainda bem!
As personagens são muito bem construídas. King usa de vários recursos já conhecidos para criar personagens realistas e tridimensionais. Ele alterna muito bem entre os momentos de descrição e de ação, construindo personagens tão reais que são quase palpáveis, principalmente Billy Summers. King é tão engenhoso que, através dessa construção, faz com que questionemos nossas próprias concepções morais, ao fazer com que criemos empatia e simpatia com um homem que talvez não mereça toda essa confiança.
Para nós imergir mais ainda na vida e na mente de Billy, King usa um artifício ótimo: uma autobiografia, que é colocada ao longo da narrativa, para conhecermos o passado do protagonista, que até então era uma grande incógnita. O processo de descobrir quem é o Billy talvez seja o ponto mais alto desse livro; sua autobiografia tem personalidade, como se não fosse escrita pelo King. Era impossível fechar o livro e imaginar que Billy não existia.
Há aqui, também, outra daquelas personagens secundárias que entra na metade do livro para roubar a cena, como Holly Gibney na trilogia Bill Hodges. Não vou me aprofundar muito nela, porque ir para esse livro de mente aberta, sem imaginar o que aconteceria, favoreceu muito a minha experiência.
Ainda sobre o Billy como personagem, na primeira metade do livro vemos a dificuldade do protagonista em se misturar na vizinhança da cidade onde vai cometer o assassinato. Não por ser introvertido e com dificuldade de socializar, pelo contrário. Billy é um personagem franco e carismático o que faz com que quase todos queiram conviver com ele, inclusive o leitor.
Nesse livro também vemos o King fazendo algo que divide opiniões em seus livros, mas que eu gosto bastante: mudar completamente o enredo do livro por volta da metade. Ele fez isso em O Instituto e em Outsider, por exemplo, e deu muito certo, já que a mudança consegue ser sutil, mesmo com um evento marcante separando o antes do depois no livro.
Assim, King consegue fazer um Thriller frenético até às últimas páginas do livro. Quando eu achei que o livro ia ficar morno, a trama logo voltou para os trilhos e continuou extremamente viciante.
Em resumo, Billy Summers mostra um King com uma escrita madura, com a sua construção de personagens e de relacionamentos humanos a todo o vapor. Quando acabei o livro, chorei (bastante, inclusive) e só conseguia pensar sobre essas personagens, querendo encontrá-las na vida real, pois parece impossível que elas não existam.
Leiam! (Aliás, tem uma referência a O iluminado muito boa, que faz a leitura valer ainda mais)