Leila de Carvalho e Gonçalves 23/06/2022
O Diário
A escritora italiana Alba de Céspedes (1911-1997) permaneceu ignorada pela critica durante muito tempo, apesar de seus livros sempre terem vendido bem. Entretanto, nos últimos anos, sua obra sofreu uma reavaliação e finalmente lhe foi conferida a devida importância, passando a constar entre as percursoras do movimento feminista na ficção. Aliás, é notória a influência das questões abordadas pela escritora na temática de Elena Ferrante que chegou a citar um de seus romances, Dalla Parte Di Lei, em Frantumaglia: Os Caminhos De Uma Escritora.
Contudo, o livro mais conhecido de Céspedes não é esse, mas Caderno Proibido que acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia Das Letras, com tradução de Joana Angélica d?Avila Melo e interessante posfácio de Mariella Muscariello.
Escrito em 1952 no formato de diário, ele apresenta a dinâmica de uma família de classe média romana a partir da perspectiva de Valéria Corsati que, casada com Michele e mãe de dois filhos já crescidos, Mirella e Ricardo, divide seu tempo entre as tarefas domésticas e o emprego num escritório.
A narrativa cobre um período de seis meses e começa numa ensolarada manhã de domingo, quando ela resolve caminhar e, aproveitando o passeio, levar cigarros para o marido, que ainda dorme. Na tabacaria, um caderno chama sua atenção e, movida pelo irreprimível desejo de escrever um diário, Valeria consegue comprá-lo após alguma insistência, pois de acordo com a legislação local, só é permitida a comercialização de produtos essenciais ? fumo, bebida e comida ? nesse dia da semana.
Após esconder o caderno dentro do casaco, a protagonista retorna para casa temerosa e se sentindo culpada, pois sabe que o destino que pretende dar a ele, não será compreendido, nem bem recebido pela família. O diário torna-se o seu segredo e, longe dos olhares de Michele e das ?crianças?, o que deveria ser uma mera coletânea de lembranças, desencadeia um processo de autodescoberta capaz de desmoronar o mundo perfeito que sempre imaginou ter, inclusive, operando decisivas transformações na sua maneira de pensar e agir.
A bem da verdade, mudanças de paradigmas não são bem-vindas, em especial, numa sociedade conservadora como era a Itália em meados do século passado. Portanto, aos 40 anos, Valéria deve comportar-se tal qual uma respeitável senhora cujo marido a trata pelo execrável apelido de ?mamãezinha?, e os filhos, já crescidos e envolvidos com os próprios problemas, logo deverão estar casados e lhe dando netos. A aceitação desse prólogo da velhice é o fulcro da narrativa e remetendo a Hamlet: transgredir ou não, eis a questão.
Enfim, Caderno Proibido é um romance que gira em torno de personagens complexas, discorre sobre decisões difíceis e, sobretudo, revela uma história cuja contextualização é relevante para o processo interativo das personagens. Um processo que, ao abarcar temas universais como o desgaste do casamento e os conflitos geracionais, traz à luz uma miríade de sentimentos e emoções exibida com fluidez e na medida exata. Recomendo.