Malphys 23/03/2024
?Talvez eu seja somente essa passagem, essa colisão?
Valéria é, decididamente, a colisão entre o passado e o presente. Vive no conflito entre ter sido criada de forma conservadora, restrita, com verdades absolutas gravadas em pedra ao mesmo tempo em que vive - e sente - em uma sociedade mudada, em uma geração que conversa mais com seu íntimo e, por isso, entra tanto em conflito com a sua filha: que tem coragem de ser e agir como ela gostaria, mas não consegue.
Ela é o retrato desse mulher das décadas de 50-60 que eram reduzidas ao lar, ao casamento e aos filhos. E somente ao começar a escrever, escondida, em um diário, ela consegue afirmar, para si, principalmente e unicamente, que é uma mulher inteligente, que pensa, sente e enxerga o mundo e que tem consciência da força que possui entrelaçada à ausência de coragem para se libertar.
Ao longo da leitura senti vontade de gritar ?Vai, Valéria, você pode ser livre. Saia dessa casa, pegue o diário e fuja? e era quase como se ela conseguisse escutar, mas reprimia, sempre, a concretização da vontade.
Uma leitura maravilhosa e frustrante ao mesmo tempo. É inevitável não se revoltar e torcer por ela. Mas ela escolhe, livremente, render-se ao passado, mesmo enxergando, sentindo e compreendendo o futuro. Ao libertar Mirella de seguir com a vida como a sua, ela de certa forma, se liberta, mesmo permanecendo presa dentro do convencionalismo que não lhe cabe.