mimperatriz 07/04/2023
Caderno proibido
Que difícil escrever alguma coisa sobre Caderno Proibido, de Alba de Céspedes. Posso adiantar que é fenomenal e que terminei a leitura totalmente embasbacada e muito pensativa (tanto que terminei há mais de uma semana e não consegui escrever nada sobre ele).
Valéria tem 43 anos, é casada há um pouco mais de 20 anos com Michelle e é mãe de Mirella e Riccardo, com mais ou menos 20 anos (ele é mais velho). Valéria trabalha em um escritório para ajudar financeiramente em casa, mas também serve ao seu lugar social de mulher da década de 50 - cuida da casa e de todos que ali vivem.
Um dia Valéria compra um caderno preto, o transforma em diário e começa a escrever os fatos corriqueiros que acontecem em sua vida pacata. E aqui uso ?corriqueiros? e ?pacata? para enfatizar que a vida de Valéria é comum e apenas mais uma entre as mulheres na década de 50.
O livro tem, portanto, formato de diário (o que adoro desde criança!) e apresenta os dias de Valéria - e de todos que convivem com ela - contados pela própria Valéria.
No início a sua escrita é principalmente sobre o próprio caderno - como escondê-lo ou o que escrever nele. Nesse ponto lembro que na discussão sobre o livro ?Escute as feras?, de Nastassja Martin, em um clube de leituras que participo, comentaram um pouco sobre diários em geral: que eles não eram considerados literatura até pouco tempo e que historicamente foram criados como anotações de expedições e, portanto, escritos majoritariamente por homens.
Talvez isso tenha relação com a vergonha que Valéria tem de mostrar ou falar que escreve em um diário. Vergonha por parecer, de certa forma, infantil, mas também por ousar a entrar em um espaço tradicionalmente masculino, a escrita.
Vale dizer que com o passar dos dias e dos acontecimentos, essa vergonha se transforma em medo de descobrirem o conteúdo da sua escrita, já que ela - e a gente - descobre que aquela rotina corriqueira e pacata não é tão pacata como parece. Ao colocar no papel os fatos ordinários e extraordinários que acontecem na sua vida, Valéria se depara com as diferenças pulsantes entre os gêneros e as gerações, além de se questionar sobre a sobrecarga emocional e física que a atinge diariamente.
Os fatos importantes da sua vida, que antes não a atormentavam, agora ficam ali, escritos e à disposição de seus olhos para que ela não se esqueça deles. Reviravoltas acontecem na sua vida, mas não na mesma intensidade que as mudanças internas.
Valéria começa a prestar atenção na sua vida e em si própria quando externaliza seus sentimentos e seu cotidiano através da escrita. E é lindo acompanhar, ainda que um pouco, esse processo de autoconhecimento.
Alba de Céspedes colocou uma dose extra de força em praticamente todas as personagens, mas a que mais me tocou, além de Valéria, foi Mirella.
Mirella, como já mencionei, é uma jovem de aproximadamente 20 anos e estudante de direito com pensamentos e ideias ?modernas? e até - se podemos chamá-las assim - feministas. É claro que essas ideias são bem diferentes dos discursos e ideais de Valéria, o que nos mostra um contraponto interessante e um certo embate entre mãe e filha.
Em mais de um momento do livro a própria Valéria escreve (ou dá a entender) que há uma certa troca de lugares entre elas - Mirella por vezes parece a mãe e Valéria a filha - o que, na minha opinião, encoraja Valéria a pensar e a tomar algumas atitudes que no início do livro (ou do caderno) eram impensáveis para ela.
A história é realmente muito interessante e faz pensar no quanto a escrita é libertária para as mulheres. Alba de Céspedes e sua riqueza de escrita é uma das inspirações de Elena Ferrante (novamente ela por aqui) e com certeza de muitas outras mulheres incríveis.
Se eu pudesse daria o Caderno Proibido a todas as mulheres queridas da minha vida. É, sem dúvida, aquele livro que mexe com a gente. Leiam, leiam, leiam.