anapmoscoso 17/09/2023
O fantástico mundo de Elizabeth
Durante a leitura dessa obra, tinha sempre algo que ficava me incomodando, mas eu não gostava de me sentir incomodada porque, e não tenho vergonha de admitir isso, eu não gosto de não gostar de um livro.
Sabe aquelas pessoas que querem ler algo que está no hype só pra reclamar e poder dizer que é ruim? Eu definitivamente não sou assim. Se eu decido por uma obra, o que eu mais quero é que ela seja boa, que eu termine e possa encher a boca pra falar que sim, que eu recomendo, que eu achei o máximo… Bom, eu gostei de "Uma questão de química". Mas definitivamente não tanto quanto eu esperava gostar.
A proposta da autora é interessante e os temas por ela abordados são sim relevantes. A vida da mulher não é fácil em 2023, imagine só como era nas décadas de 50/60. Foi isso que ela mostrou e teve sucesso em fazê-lo. Mas tenho minhas ressalvas.
Elizabeth Zott nunca teve uma vida fácil. Seus pais eram pessoas preconceituosas e essa intolerância custou a ela a vida do irmão mais velho. O ex orientador era um homem abusivo cujo os atos obrigaram Elizabeth a se retirar da universidade sem ter a chance de concluir seus estudos e conquistar o diploma de PhD. E agora ela trabalha no único instituto que a aceitou, ganhando muito abaixo do que deveria e sendo submetida à constantes situações onde sua capacidade intelectual e profissional são questionadas pelo simples fato dela ser mulher. É ai que ela conhece Calvin Evans, um cientista que, ao contrário dela, tem acesso a todos os materiais que necessita, aos melhores laboratórios, aos melhores recursos.
Calvin e Elizabeth se apaixonam, mas mesmo antes dessa paixão surgir fica claro, tanto para o leitor, quanto para a própria personagem, que ele é uma exceção a regra. Ele respeita o trabalho da cientista, ele a admira profissionalmente, ele gosta de debater com ela, de aprender com ela. O amor que ele sente pela personagem não é a causa para essa admiração. Calvin, aqui, além de namorado, é um cientista que acredita na pesquisa de outra cientista.
Aqui, entram minhas ressalvas. Elizabeth é uma mulher inteligente, ela está à frente do seu tempo e tem ideias e objetivos que não condizem com aquilo que era esperado das mulheres naquela época e isso é ótimo. O que não é ótimo é o quão ingênua e, para alguém que se mostra tão politizada, até mesmo um pouco cega, a Elizabeth é.
Existe um meio-termo entre ceder ao sistema e agir da maneira que ele espera e ser uma pessoa que acha que vai conseguir mudar tudo sozinha. Elizabeth é o segundo tipo de pessoa. Ela acha que sozinha, com seus discursos e sua insistência, ela irá conseguir mudar a maneira como as mulheres são vistas. Não é assim que a vida funciona. Essa não é uma história de um super heróis que salvam o mundo com seus superpoderes. Ou, pelo menos, não deveria ser.
A cientista nega o auxilio oferecido por Calvin inúmeras vezes. E aqui quando eu digo auxilio, eu falo dela finalmente ter os recursos necessários para fazer a pesquisa que ela tanto quer. Calvin não planeja subjuga-la, ele não quer tomar a pesquisa dela pra si e ele definitivamente não oferece ajuda a ela porque acha que ela não é capaz. Ela, uma mulher que tanto reclama da maneira como as mulheres são tratadas, de não ter seu trabalho levado a sério, não aproveita quando alguém - finalmente - a leva a sério e a respeita.
Essas contradições da Elizabeth se repetem várias e várias vezes ao longo do livro. Como eu disse, essa não é uma história de super heróis. A autora quis falar sobre feminismo, mas feminismo é um movimento e ele não é e nunca foi colocado em prática por uma mulher fazendo tudo sozinha e descartando toda e qualquer ajuda. Além disso, os discursos da personagem sobre igualdade de gênero, muitas vezes, pareciam ter saído diretamente da boca de uma adolescente revoltada que não sabe da vida 1/3 do que de uma mulher que sabe - e muito - das dificuldades e limitações que nós sofremos.
E isso tudo, somado ao fato de que o livro não tem uma mulher de cor para dizer como é a vida DELA, faz de "Uma questão de química" um exemplo perfeito do feminismo branco. Preocupações que não são inválidas, mas que se colocadas em perspectiva e analisadas pela maneira como a protagonista age, fica uma coisa meio "é....".
Outras pequenas coisas também me chamaram a atenção e me desagradaram, como por exemplo o fato da beleza extrema da protagonista ser sempre trazido à tona de uma maneira meio "se ela fosse feia, talvez seria levada mais a sério". Com sua filha, Madeleine, Elizabeth se preocupa que a garota seja tímida demais, mas ao matricular a criança no jardim de infância ela continua a incentivar coisas que não vão levar Mad a lugar algum. Uma menina de 4 anos não precisa ser politizada ao ponto que é retratado, ela não precisa tá pregando coisas que vão muito além da compreensão dela no jardim de infância!!!
Esses exemplos continuam e continuam no fantástico mundo de Elizabeth, um mundo onde uma mulher branca sozinha consegue fazer mudanças significativas para todas as outras mulheres lá fora.
Exposto tudo isso, acho que fica até meio estranho que eu diga que sim, eu gostei do livro. Eu gostei do relacionamento entre Calvin e Elizabeth, eu amei as partes da história que são contadas pelo ponto de vista do cachorro, o Seis e Meia - e aqui, preciso pausar e dizer que eu realmente amei muito essas partes e o Seis e Meia num geral -, eu dei algumas boas, porém poucas risadas e me emocionei com várias partes. O programa culinário que a protagonista começa a apresentar é o pico da narrativa e também um dos pontos mais altos.
Em suma: sim, eu achei um bom livro, mas não tão bom assim.
"Uma questão de química" terá sua adaptação, uma minissérie, lançada na Apple TV+, dia 13 de outubro!
site: https://twitter.com/anaestalendo