Pollyana 14/07/2023
O pior e melhor lado do ser humano. Uma verdadeira caça às bruxas!
Anna Chevalier é transferida (a contragosto) no meio do ano para a famosa escola de Hillcrest. Tentando não atrair a atenção de ninguém para si mesma, Anna se mantém isolada, sem ter nenhum amigo por perto. Seus planos era se manter solitária até terminar o colegial, afinal, o mundo dos populares, das líderes de torcida, jogadores de futebol e competições para ver quem era o melhor aluno não importava tanto quanto aparentava. Tudo não passava de uma pequena parcela na vida de todos. Havia mais coisas acontecendo fora dos portões do colégio.
Um dia, porém, Elise, uma das garotas populares, se aproxima inesperadamente de Anna. Criando uma forte amizade logo a princípio, as duas começaram a viver plenamente juntas, aproveitando ao máximo o agora, se divertindo, indo a baladas, vivendo novas experiências e principalmente: não se preocupando com o futuro.
"O Capelão da Cadeia adora falar sobre o momento da virada. Aquele em que escolhemos o caminho errado, o ponto a partir de onde não há mais volta. Isso deveria, supostamente, nos fazer refletir sobre quando tudo começou. Temos que nos conscientizar do que aconteceu, entender o erro em nossas atitudes. Assim sendo, revemos nosso passado, buscando os crimes e a consequências no decorrer de nossas curtas vidas até descobrirmos o momento crucial. A decisão que pode ter mudado tudo. Esse foi o meu. Se eu tivesse dito não, tudo teria terminado ali. Elise teria voltado a perambular silenciosamente com seu grupinho perfeito de amigas, e eu a almoçar sozinha na biblioteca, atormentada pela Lindsay até o último dia de aula. Nossos mundos provavelmente jamais se cruzariam de novo; continuaríamos apenas passando pela outra nos corredores e seguindo em direções opostas. Ela continuaria viva. E eu não estaria sendo acusada de matá-la."
"Morre Aqui " não possui uma linha do tempo linear. O livro vai alternando entre o passado e o presente, mostrando o que aconteceu não só antes do assassinato de Elise, quando os oito adolescentes já estavam na ilha, mas também nos apresenta a história dos personagens. A história de como eles viraram amigos.
A princípio Anna e Elise viviam num mundo só delas. Eram conhecidas por nunca interagirem com outras pessoas e por sempre compartilharem tudo entre elas, até mesmo as pequenas coisas, como: comprar dois colares iguais para que ambas tivessem o mesmo, usar a mesma fantasia no Halloween...
"— Você e a Elise não interagem com praticamente mais ninguém."
A amizade delas era algo invejável — a princípio — já que pareciam se preocupar verdadeiramente uma com a outra, agindo muitas vezes como irmãs. Contudo, há um lado um pouco doentio nesta história. Não quero dar spoilers, mas tenho que comentar sobre esta parte importante e crucial do enredo.
Anna e Elise eram melhores amigas e faziam tudo juntas. Essa frase sozinha não possui nenhum significado oculto ou sombrio, porém, se colocada no contexto da história como um todo, a situação muda. Isto porque as duas ficavam tanto tempo grudadas que pareciam depender demais uma da outra. Era como se não conseguissem viver sem a outra. E há vários trechos que elas comentam sobre isso.
"Sinto um calafrio de medo. Não posso perdê-la, nem mesmo um pouquinho. Tate me atraiu e me envolveu num tipo diferente de amor, mas eu sou dela também — e sempre serei. Se tiver que escolher..."
Mesmo após Anna começar a namorar o Tate, "O Menino de Ouro" como diz Elise, a situação não tem tantas mudanças. Claro que Anna tinha seus momentos a sós com seu namorado, mas sabe quando algo não se encaixa? Pois bem...
Com o surgimento dos demais personagens que viriam a compor o grupo de amigos: Chelsea, Max, Melanie, Lamar, AK, a história ganha um toque mais divertido, com um ar mais descontraído. Vislumbrar as memórias do passado, apesar de dolorosas — já que sabemos que no presente Elise está morta — há certo aconchego. O clima de festejo, de juventude, de descobertas sobre o primeiro amor, as primeiras festas, o entusiasmo, os dilemas familiares que são compartilhados entre amigos...Tudo é tão realista que acredito que até mesmo o leitor se recorde de suas próprias lembranças de quando frequentava o ensino médio e passava pelas mesmas situações.
"Vejo a noite em flashes, brilho versus escuridão. AK agarrado a uma Chapeuzinho Vermelho bêbada; Chelsea em êxtase nos braços do Lamar; Melanie olhando ao redor, ansiosa, quando nos perde de vista; Tate, totalmente alheio aos olhares de admiração das garotas à nossa volta; e Elise, com a cabeça jogada para trás e os olhos fechados, brandindo os braços no ar."
Narradora da história, Anna não só é carismática como também sedutora. Ela consegue atrair a atenção do leitor e fazê-lo sentir empatia por ela logo de cara. Nos solidarizamos com a situação complicada — e trágica — que ela se encontra e torcemos para que ela consiga provar sua inocência o mais rápido possível.
Anna é imprevisível. Confesso que houve momentos que duvidei de sua inocência, mas esses não duraram muito já que logo me pegava sendo fisgada novamente pelas suas palavras. No fim, tudo acabou fazendo sentido e fiquei bastante surpreendida com o desfecho da autora, afinal, devido as provas circunstanciais, ao promotor um tanto tendencioso e as inúmeras inconsistências do caso, todos pareciam suspeitos e poderiam ser o assassino.
Sem dúvidas, Abigail Haas soube mexer com nosso psicológico e sem perceber, somos influenciados pela forma como ela conduz a história. A expressão "nem tudo é o que parece" cabe bem em "Morre Aqui".
"Ainda sinto a falta dela, todos os dias. Eles estavam certos quando disseram que foi uma tragédia."
Acredito que esta história tenha conquistado fãs pelo mundo afora não só pela construção da trama em si e do encerramento, como também pelas abordagens trazidas. A obra fala de amizade na sua melhor e pior face. Mostra o quão ruim pode ser uma amizade movida a dependência emocional, ciúmes e possessão (mesmo que não intencional). Também aborda traições no mais puro realismo, como o caso de Tate, que ao descobrir que poderia ser incriminado juntamente com Anna, resolveu salvar sua própria pele e deixar a namorada sozinha, tendo que enfrentar a corte,a prisão, a solidão e os comentários ofensivos; a deixando à própria sorte para provar sua inocência.
"Morre Aqui" mostra o lado mais cruel do ser humano não só no sentido de tirar a vida de alguém, como também à caça às bruxas que a mídia faz em cima de uma pessoa, antes mesmo de ter certeza se ela é realmente culpada pelos crimes que cometeu.
"Era isso o que eles queriam, percebo, embora tarde demais. Eles não dão a mínima para a minha história, ou para apresentar uma nova versão dos fatos. Só querem me ver chorar e suplicar, desesperada. Eles querem um espetáculo."
No fim, não se trata da verdade. O sistema é falho, assim como nós, seres humanos. Somos movidos à vários sentimentos, inclusive a paixão, amor, ódio e vingança.
"Ela estava errada, todos estavam. Contar a verdade não faz a menor diferença, nem ser você mesmo."
Lembrando que "Morre Aqui " foi lançado em 2013, mas chegou no Brasil somente esse ano, sendo publicado pela primeira vez pela Editora Valentina!
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